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Máscaras
RENATA LO PRETE
Esta é a história de uma máscara, não de Carnaval, mas
mortuária. De Assis Chateaubriand. Foi capa da Ilustrada
em 15 de janeiro. A reportagem
anunciava a descoberta, entre
pertences de um jornalista morto em 1986, do rosto em bronze
do criador dos Diários Associados.
No ano passado, a viúva de
Nelson Gatto, repórter policial
de jornais de Chateaubriand,
encontrou a peça ao arrumar a
biblioteca do marido.
"É o provável último capítulo
da saga de uma das maiores
personalidades da imprensa
brasileira", comemorava o texto. Acima dele era destacado
que "ninguém, nem mesmo o
biógrafo Fernando Morais"
(autor de "Chatô - O Rei do
Brasil"), "sabia da existência"
do objeto.
Completavam a descrição do
mistério dados biográficos sobre
Gatto e o autor da máscara,
Darwin Pereira da Silva, também morto.
Eu estava em férias quando a
reportagem saiu. Um mês depois, na volta ao trabalho, encontrei o aviso de um leitor: ao
contrário do que fora sugerido,
não havia ineditismo nenhum
na história.
Origem e confecção da máscara foram relatadas em abril de
1968, por ocasião da morte de
Chateaubriand, na primeira
página do "Diário de São Paulo", então carro-chefe dos Diários. Ali estavam "as informações dadas como exclusivas pela
Ilustrada décadas depois".
O leitor, um estudante de jornalismo de 20 anos, mostrou
que o engano sobrevivia na continuação da reportagem, publicada em 16 de fevereiro. Na suíte, feita para informar que a
Fundação Assis Chateaubriand
resolvera comprar a relíquia, a
Folha subiu o tom do anterior
"ninguém sabia" para a afirmação de que havia "revelado a
existência" da peça.
Além disso, o texto tratava como mistério pontos plenamente
esclarecidos 32 anos atrás, como
o local em que a máscara foi feita.
Mostrei a carta à Redação. As
detalhadas observações mereceram três frases de resposta:
"O leitor não aponta nenhum
erro de informação. Apenas cita
uma reportagem feita em 1968.
Isso não tira a exclusividade da
reportagem da Ilustrada, que
descobriu o paradeiro do objeto
perdido há décadas."
O falso ineditismo é o de menos neste caso. O erro, que existiu, não é coisa do outro mundo,
considerando o intervalo de
tempo entre os registros da Folha e do extinto "Diário de São
Paulo". Se o biógrafo de Chateaubriand diz que nada sabia
sobre a máscara, é desculpável
que dois repórteres não tenham
encontrado vestígios dela nos
arquivos.
Não era difícil dar uma resposta honesta ao leitor. Bastava
agradecê-lo pelo alerta e explicar que não houve má-fé, e sim
desconhecimento.
Era até possível ponderar que,
mesmo despida do caráter inédito, a história poderia interessar a muitos leitores, tantos foram os entrevistados que se impressionaram com ela.
Exclusividade é obsessão de
jornalista. O leitor, embora não
a despreze, costuma dar mais
valor à qualidade da informação.
Como em tantos outros episódios, indefensável é a atitude da
Redação diante do questionamento. A resposta é uma mistura de "como ousa?" com "desapareça".
Os repórteres, que haviam enxergado tanta relevância na figura de bronze, nem ao menos
se deram ao trabalho de conferir
a fonte citada pelo estudante.
Esta é a história da máscara
de Chatô, mas também da que é
usada para se esconder do leitor.
Jornalista tem vergonha de pedir desculpas, mas parece não
sentir o mesmo quando desdiz o
que havia dito. Nessa operação,
"existência" vira "paradeiro"
sem a menor cerimônia.
"Como juízes que desviam
verba de uma obra pública podem fazer greve por aumento
salarial?", perguntou a Folha
ao presidente de uma associação de magistrados, em entrevista publicada no domingo
passado.
"Sou juiz do Trabalho há 11
anos e NUNCA desviei dinheiro
de nenhuma obra, pública ou
privada", escreveu um leitor.
"NUNCA recebi um centavo
além do que consta dos meus
holerites, e tudo o que existe em
minha casa, da caixa de fósforos ao carro na garagem, foi
comprado com o dinheiro dos
meus vencimentos, EXCLUSIVAMENTE".
A formulação da pergunta é
de fato descabida. Por sua lógica rasa, nenhum grupo profissional pode reivindicar aumento, já que, pela lei das probabilidades, todos têm entre seus integrantes uma parcela de pessoas
desonestas.
"O jornal tem o direito de
agredir dessa forma toda uma
categoria?" As questões envolvidas no movimento dos juízes
podem ser complexas, mas a
resposta à pergunta do leitor é
bastante simples: não.
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