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OMBUDSMAN
Ainda o povo de rua
MARCELO BERABA
Escrevi , na coluna de domingo passado, a propósito
da cobertura que a Folha fez dos
assassinatos no centro de São
Paulo, que o jornal não soubera
aproveitar o momento para
abrir e aprofundar a discussão
sobre a população que vive nas
ruas.
São mais de 10 mil pessoas sem
perspectivas de vida. Nem todos
são mendigos. Muitos trabalham recolhendo papel e latas. É
um problema seriíssimo, como
ficou demonstrado na seqüência
de chacinas iniciadas dia 19. Na
quinta-feira passada, mais uma
pessoa foi assassinada, e agora já
são sete mortes.
O jornal começou mal a sua
cobertura. Mas, com o correr dos
dias, passou a acompanhar bem
as investigações policiais e acabou revelando, em reportagens
esparsas, um pouco da vida dessas pessoas abandonadas. Foi
bem ao manifestar sua opinião e
exigir providências por meio de
três editoriais. E teve momentos
de brilho com as charges do Angeli, do Glauco e do Jean, publicadas no caderno Opinião (página A2).
Fórum de debates
Falhou, no entanto, ao não
abrir espaço para o debate. Jornais informam, prestam serviços
e são, por tradição, fóruns de discussão e de confronto de idéias e
políticas. Nem sempre fazem
bem. Às vezes, deixam os assuntos fugirem, às vezes, os tratam
sem aprofundamento.
Não é um problema só da Folha. Acho improvável que algum
leitor tenha conseguido consolidar uma opinião sobre assuntos
polêmicos, como o sistema de cotas nas universidades, por exemplo, ou os riscos dos transgênicos,
lendo apenas os jornais.
É um desafio abrir espaço para
os novos assuntos, fugir das discussões ralas, conseguir contribuir de fato para o entendimento
dos problema e para a busca de
soluções. Mas esse é um papel
que cabe aos jornais mais do que
a qualquer outro meio noticioso.
No caso da Folha, estranhei
seu posicionamento desde o início. O jornal, que não costuma
perder os grandes temas, ignorou completamente o drama dos
moradores de rua. A seção "Tendências/Debates", espaço privilegiado para a discussão, não havia publicado, 15 dias depois das
tragédias, um só artigo.
Aos sábados, a seção tem um
formato diferente. Propõe uma
pergunta, que deve ser respondida com um "não" e com um
"sim". No sábado, 28, quando o
assunto ainda estava quente e
poderia ter inspirado uma boa
pergunta a ser respondida por
especialistas, o jornal preferiu
um tema relativo à Olimpíada,
que terminava: "Os esportes de
alto rendimento são sobrevalorizados no Brasil?". Ontem, optou
por discutir o projeto das Parcerias Público-Privadas.
Para não dizer que inexistiu
discussão, na sexta-feira, duas
semanas depois da primeira
chacina, o caderno Cotidiano
publicou um resumo das principais propostas dos candidatos à
Prefeitura de São Paulo e brevíssimos comentários de especialistas. Nada mais.
Incômodo
Em relação à ausência de artigos, ouvi o jornalista Fábio
Chiossi, da Coordenação de Artigos e Eventos: "Não acho que o
assunto seja o mais adequado
para a pergunta de sábado, que
prevê uma resposta com sim e
outra com não. Concordo que o
assunto deveria figurar em "Tendências/Debates" em dias normais, e estou tentando abrir um
espaço para publicar artigos a
respeito. Além disso, convidamos o padre Júlio Lancellotti (da
Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo) para
participar de um debate sobre
violência na cidade".
Chego à conclusão que o assunto é mais incômodo do que
eu imaginava, e não tem o glamour das grandes polêmicas. É
mais fácil discutir os distantes
problemas nacionais ou as loucuras do terrorismo internacional.
O baixo número de mensagens
dos leitores ao longo da semana
que passou (15 cartas até sexta)
revela, de uma certa forma, que
o assunto não atrai tanto. Talvez
seja difícil encará-lo.
Mas ele está aí, querendo ou
não, e ainda sem solução. Estamos às vésperas de uma eleição
para o cargo Executivo que tem
como responsabilidade cuidar
da cidade e de sua gente. Não há
como fugir do problema.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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