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Do furo à baixaria
Não foi a primeira vez, nem será provavelmente a última, em
que um jornal começou bem um
caso e o encerrou pessimamente.
No dia 16 de abril, a Folha deu
um furo de reportagem expressivo: o casal Eduardo e Marta Suplicy estava desfeito. Foi uma nota na coluna política "Painel",
que mereceu uma chamada discreta da capa do jornal.
Por que essa notícia era relevante? Porque se trata de duas figuras públicas por opção, com
cargos importantes e pesos significativos na vida política do país e
que, ainda por cima, sempre se
apresentaram enquanto tal -como casal- abertamente.
"A vida privada só tem relevância jornalística", diz o Manual da
Redação da Folha, "se estiver
crucialmente ligada a fato de interesse ou de legítima curiosidade
públicos". Está certo. Justificava-se, sim, a publicação do fato.
Nos dias seguintes, a imprensa
"repercutiu" o acontecimento.
Ilustrou-se com fotos o histórico
de um casal cinematográfico,
buscaram-se detalhes pessoais,
motivações de toda ordem, especularam-se possíveis consequências políticas e partidárias.
Marta e Eduardo emitiram
uma nota "curta e grossa", dando
o assunto por encerrado, teoricamente, do ponto de vista deles.
Até aí, com a possibilidade de um
ou outro excesso, tudo bem.
O desfecho, catastrófico para a
Folha, aconteceu no dia 21 de
abril, quando o jornal ocupou um
quarto de sua página A5 com um
"informe publicitário" apócrifo
que reproduzia notas do jornalista Cláudio Humberto publicadas
no "Jornal de Brasília".
Nelas, o colunista, conhecido
como ex-porta-voz do Planalto
sob a Presidência de Fernando
Collor, emitia juízos, insinuações
e claro perfil denegridor, sem
qualquer prova, daquele que seria, conforme seu texto, o "pivô da
separação do casal Suplicy": Luis
Favre, assessor do PT e da prefeita
paulistana, franco-argentino residente em Paris. Também envolvia na história outros nomes e
"revelava" detalhes picantes do
suposto "affair".
Choveram reclamações na caixa-postal eletrônica do ombudsman. Sob o título "Anúncio", o
Painel do Leitor publicou no dia
23 parte das 37 mensagens que recebeu sobre o assunto na semana
seguinte. Todas de indignação e
de repúdio ao anúncio e ao fato
de o jornal tê-lo publicado. Marta
e Eduardo também tiveram cartas suas reproduzidas na seção.
Ao pé de uma carta, dia 23, a seguinte Nota da Redação: "Material publicitário não é de responsabilidade editorial do veículo. A
Folha evita censurar anúncios".
Ética e decepção
Cito, a seguir, trechos de alguns
e-mails enviados ao ombudsman:
"Se "material publicitário não é
de responsabilidade editorial do
veículo", isso significa que qualquer um pode, desde que pague,
publicar um manifesto nazista,
racista, uma chamada ao armamento da sociedade etc?"
"Nossa preocupação é que, sob
essa marota classificação, seja
veiculada toda sorte de ofensas e
agressões."
"A FSP publica qualquer coisa
que um mal-intencionado queira
publicar com evidentes fins políticos? Se eu tiver dinheiro para pagar anúncio e quiser ofender o sr.
governador ou sua esposa, inventando que ela mantém relações
íntimas com o jardineiro, vocês
publicam?"
"É dever do jornal recusar publicação deste tipo."
"É lícito publicar este tipo de
"informe publicitário", mas é legítimo? É ético publicá-lo sem explicar quem é o responsável?"
"Sou assinante da Folha há
anos e não me recordo de ter-me
sentido tão decepcionada com o
jornal como venho me sentindo
desde sábado último."
"Onde foi parar o bom senso?
Onde foi parar o código de ética?
Onde foi parar a elegância? O discernimento?... A Folha não poderia ter vetado o anúncio pelo seu
conteúdo? Não passou por nenhum tipo de crivo?"
Esses leitores têm razão. É tradição, inclusive escrita, no jornal
que "anúncios de caráter político
ou contendo acusações criminais
dependem de consulta prévia à
Direção de Redação" ("Manual
da Redação", edição de 92 atualizada até o ano passado).
O informe, portanto, poderia
ter sido vetado, mas não foi. Desrespeitou-se, com isso, o verbete
"publicidade" da própria edição
atual (lançada em abril) do Manual, segundo o qual "o interesse
do leitor, entretanto, tem sempre
prioridade sobre qualquer outro,
inclusive o do anunciante".
O tal informe atendia a tudo
mas não ao interesse do leitor
-ao menos o do leitor da Folha,
com sua história e tradição.
Sugestão de Erramos
A direção do jornal, questionada pelo ombudsman, não concorda com a avaliação de que houve
desrespeito ao manual. Informa,
contudo, que "vai redobrar seus
controles nessa questão".
Quanto ao fato de não ter publicado o nome da agência de publicidade responsável pelo anúncio, afirma a direção que ele "não
constou do material original enviado para o jornal". E acrescenta: "a partir de agora, a Folha, em
situações especiais, poderá publicar, com a devida autorização, o
nome da agência responsável".
Opto por concluir este texto
com a íntegra do e-mail de 23 de
abril de outra leitora, a médica
Maria Inês Reinert Azambuja, de
Porto Alegre:
"Sugestão para um "Erramos"
com relação à Nota da Redação
publicada hoje em resposta às
cartas sob o título "Anúncio":
Onde se lê que material publicitário não é de responsabilidade editorial, leia-se "desculpem-nos da
falha. A Folha lamenta ter cedido
espaço publicitário para a publicação de propaganda enganosa e
não ética e tomará as providências internas para que isto não
mais se repita".
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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Contatos telefônicos:
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