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Soropositivo e discriminado
Fadadas a atrair leitura, as
duas qualificações do título acima foram atribuídas ao personagem destacado na capa da
Folha de domingo passado, um
maranhense de 30 anos que afirma ter sido mandado embora do
seminário no qual vivia por ser
portador do HIV.
O bispo que o dispensou diz
que a decisão não foi tomada
apenas por esse motivo. Mas,
desde o título da chamada
("Igreja x vírus"), ficou claro o
pouco crédito dado aos argumentos de d. Fernando Legal, da
diocese de São Miguel Paulista,
na zona leste de São Paulo.
O caso se deu no início de 97.
José Maria (nome fictício) explica que decidiu divulgá-lo agora
para "colocar mais lenha nas recentes discussões sobre catolicismo e Aids".
Igualmente interessada em colocar lenha, a Folha dedicou página inteira à história do ex-seminarista. O pacote incluiu trechos de seu diário e entrevistas
com o bispo, a mulher que acolheu José Maria ("Costureira
que deu abrigo não tem religião") e uma advogada especializada em saúde pública.
Apenas nos parágrafos finais a
reportagem informou que o rapaz assume ter vivido "incontáveis aventuras amorosas" em
seu período de seminarista, durante o qual "saiu com prostitutas e perambulou pelo universo
gay".
José Maria: "Vejo o sexo como
fonte de prazer. Enquanto frequentava o seminário, continuei
transando porque não firmara o
voto de castidade. Mas, depois
de ordenado, tentaria respeitar o
celibato".
Se algo desse depoimento tivesse obtido destaque no texto, ou
ido para a chamada de capa, o
leitor poderia discordar do bispo, mas tenderia a ver sentido na
afirmação de que "o afastamento se deu em um contexto muito
mais amplo e complexo".
No entanto, se isso tivesse sido
feito, ficaria mais evidente a fragilidade da história de perseguição apresentada pelo jornal.
O jornalista Armando Antenore defende sua reportagem por
apontar contradição no discurso
da Igreja Católica.
"A mesma instituição que prega solidariedade em relação a
doentes de Aids e infectados pelo
vírus não se mostrou solidária
com José Maria. Sei de outras
dioceses e ordens religiosas que,
diante de casos semelhantes,
mantiveram os seminaristas sob
sua guarda."
O repórter também destaca o
fato de o rapaz ter se submetido
a teste de Aids por ordem de seus
superiores.
"Se admitirmos que uma diocese obrigue seus subordinados a
fazer o teste, teremos de nos calar quando uma empresa exigir
o mesmo de seus empregados, ou
uma escola de seus alunos."
Ocorre que o enfoque não privilegiou a recusa da igreja em
cuidar do rapaz ou a obrigatoriedade do teste, e sim a injustiça
que haveria em impedir José
Maria de se tornar padre.
Independentemente do que religiosos façam em privado, e de
haver ou não veto informal a seminaristas soropositivos, a história em questão foi mal contada.
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