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OMBUDSMAN
Terroristas, extremistas, radicais
MARCELO BERABA
A Folha publicou, no dia 30
de julho, sexta-feira, carta
do leitor Nassib Rabeh que mexeu com um vespeiro.
Ele questionou o termo "terrorista" que a Folha costuma usar
para identificar grupos armados, como a Brigada de Mártires
de Al Aqsa e o Hamas, que resistem à ocupação da Palestina por
parte de Israel.
O leitor comparou o tratamento dado pela Folha em reportagem do dia 26 de julho ("Israelenses fazem ato contra saída de
Gaza", pág. A8 de Mundo) com
o de dois outros jornais, o "Estado" e o francês "Le Monde".
A Folha informa que Israel
matou "seis membros do grupo
terrorista Brigadas dos Mártires
de Al Aqsa". O "Estado" se refere
a "militantes das Brigadas dos
Mártires de Al Aqsa, braço armado da facção Fatah, do líder
da Autoridade Palestina, Yasser
Arafat". "Le Monde", segundo o
leitor, não usa a palavra terrorista e identifica como "grupo armado".
No final de sua carta, Rabeh
pergunta: "Se a Folha considera
que todo grupo de resistência palestino é terrorista, não seria correto expressar esse ponto de vista
aos leitores em vez de fazer-nos
considerar que essa denominação vem das agências internacionais?". O jornal respondeu
com uma Nota da Redação: "A
Folha considera terroristas grupos que atacam civis de forma
deliberada".
A nota provocou reações a favor e contra o posicionamento da
Folha, e o jornal publicou algumas destas manifestações no seu
"Painel do Leitor" no domingo
(uma contra e uma a favor), na
terça (contra) e na sexta-feira
(uma contra e outra a favor).
Jayme Blay, presidente da Federação Israelita do Estado de
São Paulo, elogiou o jornal "por
ter sabido responder (...) às distorções claramente propositais
do leitor Nassib Rabeh que, para
fazer isso, se utiliza do palavreado de alguns grandes veículos
que transformam terroristas em
heróis"."
O leitor Jairo Luis de Mattos
questionou o jornal: "Se a Folha
considera grupos armados que
atacam civis terroristas, deveria,
por coerência, sempre se referir
ao Exército de Israel como "Exército terrorista", pois estão sempre
atacando, matando e ferindo civis".
E agora?
As diferenças
A cobertura de conflitos como o
da Palestina exige um grande
cuidado. Como em toda guerra,
os lados envolvidos utilizam todos os recursos para ganhar a
opinião pública.
A busca do equilíbrio e da imparcialidade fica ainda mais difícil porque a Folha não tem correspondente na região. Ela depende das agências internacionais. E as informações, às vezes,
são desencontradas.
Vamos analisar a reportagem
citada pelo leitor. A nota resume
três notícias distintas: a manifestação de israelenses, que protestavam contra a retirada das tropas de Israel da faixa de Gaza no
ano que vem; o temor do governo israelense de que "extremistas judeus realizem um atentado
contra a Esplanada das Mesquitas", em Jerusalém; e a referência
às Brigadas.
Na Folha, esta última informação saiu assim: "Também ontem, Israel matou seis membros
do grupo terrorista Brigadas dos
Mártires de Al Aqsa em ação em
Tulkarem, na Cisjordânia ocupada". O "Estado" tem a informação um pouco diferente: "Soldados israelenses mataram a tiros seis palestinos (dois comandantes e três militantes de um
grupo extremista e um pedestre)
(...)". Um dos mortos, portanto,
não poderia ser chamado de extremista ou terrorista.
"O Globo" dá a mesma informação da Folha, mas muda o
adjetivo: "(...) forças israelenses
mataram seis radicais palestinos, incluindo dois líderes locais
(...)". Não consegui recuperar o
texto do "Monde". "El País", da
Espanha, informou que "seis palestinos morreram por disparos
de soldados israelenses (...) segundo fontes da segurança palestina, que acrescentaram que
alguns dos mortos eram membros das Brigadas (...)".
Só neste pequeno exemplo vemos como os jornais tratam de
forma distinta o mesmo assunto,
e como as informações que
transmitiram são diferentes. Na
Folha, foram seis terroristas
mortos; no "Estado", cinco extremistas e um pedestre; no "Globo", seis radicais; e no "El País",
seis palestinos, sendo que apenas
"alguns" eram membros das Brigadas.
Carga ideológica
A Folha, no "Manual da Redação", orienta seus jornalistas para que usem termos como terrorista ou guerrilheiro "apenas em
sentido técnico, evitando a carga
ideológica positiva ou negativa"
(vide verbete acima). Como vimos no exemplo analisado, é
praticamente impossível evitar
essa carga ideológica.
Suzana Singer, secretária de
Redação da Folha, diz que o jornal "está sempre aberto ao debate e procura ser sensível às transformações na dinâmica dos grupos sociais", mas que o princípio
definido no "Manual" "segue
norteando a visão da Folha sobre essa questão".
Questionada se, pelos critérios
adotados, as ações de Israel também podem ser classificadas de
terroristas, ela responde: "Na visão da Folha, o atual governo israelense pratica atos que eqüivalem aos adotados por grupos terroristas -ou seja, adota ações
violentas contra alvos civis". E
faz uma observação: "Note que o
termo terrorista no verbete do
"Manual" pode se referir a indivíduos, organizações e governos
-não a Estados".
O editor de Internacional do
"Estado de S. Paulo", Paulo
Eduardo Nogueira, explica por
que, nestes casos, o jornal não
usa "terrorista": "A editoria considera que "terrorista" é um rótulo e, como tal, acaba assumindo
a caracterização que um lado
em conflito faz do adversário,
afastando-se portanto da cobertura equilibrada. Usamos termos como militantes, extremistas, radicais para caracterizar os
grupos palestinos e evitar cair no
rótulo aplicado por um dos lados. Esse padrão, é bom ressaltar, é utilizado pela esmagadora
maioria da imprensa de qualidade mundial, como "The New
York Times", "Washington Post",
BBC, "The Guardian" e outros".
A editora de Internacional do
"Globo", Sandra Cohen, explica
seus critérios: "Nós usamos o
bom senso, de acordo com o fato
que relatamos. Na maioria das
vezes, nós nos referimos ao Hamas e às Brigadas como grupos
extremistas ou radicais. Usamos
o termo terrorista para relatar
atentados ou ações específicas levadas a cabo por esses grupos
contra a população civil em Israel".
Acho que a Folha precisa ter
mais cuidado no uso das palavras e no cruzamento de informações para garantir tratamento igual às partes envolvidas.
Não deve hesitar em condenar os
atos de terror, mas deve ter cautela ao identificar os personagens dos dois lados. O que está
em jogo é o futuro de dois povos e
a imagem deles entre os leitores
brasileiros.
Essa discussão, evidentemente,
não termina aqui.
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