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OMBUDSMAN
Reta final
BERNARDO AJZENBERG
Faltam só 28 dias para a
eleição. Até agora, o resultado da corrida ao Planalto
permanece imprevisível. A
união desses dois elementos
tende a tornar fatal, na reta final, qualquer tropeço dos candidatos.
Pois, ao aplicar esse mesmo
raciocínio na avaliação do desempenho da cobertura jornalística da disputa, evidencia-se
como é preocupante o que se
viu na Folha semana passada.
Para um jornal que promete
isenção no noticiário, os últimos dias -a apenas quatro
semanas do pleito- registraram momentos infelizes, e não
foram poucos.
Foi uma semana em que serristas somaram motivos para
comemorar, enquanto lulistas
e ciristas acabaram "maltratados".
Veja ao lado a sequência de
manchetes de Eleições entre 30
de agosto e a sexta-feira (6/9).
É fácil observar, no conjunto,
qual candidato mereceu melhor tratamento.
Desse compasso anti-Ciro e
anti-Lula, a edição mais expressiva saiu na quinta-feira.
Alguns exemplos tirados dela:
1) Apesar do empate técnico
entre Ciro e Serra, só Lula e o
tucano tiveram imagens na capa do caderno, com um título
sutilmente irônico ("Lula estreita laços com militares") em
relação ao petista. A idéia (falsa, ao menos até as próximas
pesquisas) de que já se consolida a polarização Lula-Serra,
com Ciro fora do jogo, só poderia
agradar à Grande Aliança;
2) O "rastreamento eleitoral"
-pesquisa por telefone- mostrava subida de quatro pontos
para Lula em intenções de voto,
enquanto Ciro caía dois e Serra
subia um. Mesmo sendo a do petista a única oscilação efetiva,
acima da margem de erro de 3
pontos, o título da reportagem
dizia: "Pesquisa já mostra Serra
com 21% e Ciro com 20%";
3) Nesse dia saiu a gafe cometida pelo tucano em Recife, ao falar, em discurso, na sua própria
reeleição ("Nossa meta é ter
100% das crianças de seis anos
até o final de nosso primeiro
manda..."). Posso queimar a língua, mas, no "clima" em que andaram as coisas na Folha nessa
semana, não seria absurdo imaginar que um fora como esse, se
cometido por Ciro ou por Lula,
ganharia a capa do caderno e
uma menção na do próprio jornal. No caso, a notícia recebeu
duas colunas na parte inferior
da pág. 3 de Eleições;
4) Na página seguinte, texto
sobre evento com empresários
trazia o título "Ciro recebe passagens e adesivos em jantar", em
tom sutilmente depreciativo
-ainda mais que, segundo a reportagem, também teriam ocorrido, no encontro, doações em
dinheiro/cheque;
5) Até mesmo a charge "Grafite" (página 3) entrou na onda,
com Ciro aparecendo atrás de
Serra numa corrida de cavalos.
Caso exemplar também aconteceu na edição de sexta-feira,
quando uma ida do presidenciável petista à Embraer recebeu o
seguinte título: "Metalúrgicos
protestam em visita de Lula".
A manifestação, organizada
por um sindicato da CUT com
forte influência do PSTU, reuniu
15 pessoas e uma placa, e nem teria sido vista pelo candidato.
Merecia um registro? Sim. Mas
não sua transformação em principal acontecimento da visita.
Ao noticiar quarta-feira a reprovação das contas da Força
Sindical pela Corregedoria Geral
da União (caso que envolve Paulinho, vice de Ciro), o jornal nada trouxe sobre as responsabilidades, ao que tudo indica, de
grande porte, do Ministério do
Trabalho no mesmo caso.
Caso Zeca
O episódio inaugural do ciclo
pró-Serra foi a reportagem sobre
supostos laços entre o governador Zeca do PT (MS), membros
de seu estafe e uma quadrilha de
ladrões de veículos, publicada
domingo -mesmo dia do Datafolha que apontou o empate Serra-Ciro em segundo lugar.
Não caberiam no espaço desta
coluna, hoje, as diversas questões de fundo que essa reportagem suscita -em especial a que
se refere à forma como apurações do Ministério Público podem se combinar com a investigação jornalística.
Destaco aqui, apenas, dois aspectos da maneira como ela foi
editada, que corroboram o diagnóstico da semana.
O título ("Elo de Zeca do PT
com quadrilha é investigado"),
por exemplo, forçava a barra.
Ao reproduzir dados de um relatório reservado de promotores
de MS, o texto da reportagem explicitava não haver uma investigação formal em curso (a apuração original terminara em fevereiro) e que o tal elo não está
provado.
Outro exemplo: a julgar pela
extensa e detalhada carta do governador publicada, corretamente, na terça-feira, o pequeno
"outro lado" de domingo havia
sido apenas pro forma, um desmentido ligeiro e adjetivado, obtido às pressas -o teor da reportagem fora levado ao conhecimento do governo apenas na
tarde de quinta, para uma edição que "fecha" sábado.
O que se pergunta é por que o
jornal, num caso tão grave, com
tantos dados e nomes envolvidos, não "segurou" um pouco
mais a reportagem, a fim de oferecer a seu leitor algo mais consistente, que ao menos contemplasse devidamente a versão dos
"acusados".
A Folha tem um capital de credibilidade acumulado a duras
penas, ao longo de vários anos.
Na reta final das eleições, ainda
mais num quadro tão indefinido
como o atual, tudo o que ela e
seus leitores necessitam é que esse capital não seja abalroado.
Os exemplos aqui mencionados mostram que os riscos de isso
acontecer existem, sim. Fechar
os olhos para negá-los seria o
pior caminho.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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