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OMBUDSMAN
Rumo à guerra
BERNARDO AJZENBERG
Nem mesmo George W. Bush
pode garantir que haverá
guerra, mas a probabilidade de
que ela não ocorra é cada vez
menor. Começou a contagem regressiva.
Cerca de 240 mil militares norte-americanos já estão, neste fim
de semana, no golfo Pérsico e no
Mediterrâneo.
Dentro dos EUA, boa parcela
da população cobra das autoridades e da imprensa orientação
sobre como se proteger de eventuais ataques não-convencionais. Acentuam-se os preparativos de defesa em Bagdá.
A China aderiu a França, Rússia e Alemanha contra uma
ação imediata. A Turquia não
cedeu aos EUA e, por enquanto,
aguarda decisão do Conselho de
Segurança da ONU.
Os inspetores de armas e a
Agência Internacional de Energia Atômica pedem mais alguns
meses para concluir seu trabalho. Apesar disso, aparentemente em crescente isolamento,
EUA, com apoio de Reino Unido
e Espanha, reiteram a disposição
de atacar o Iraque, fixando uma
data, sob a forma de ultimato:17
de março.
Esse é apenas um breve condensado da tensão e da efetiva
preparação da guerra, em nível
internacional.
Pergunto: você, leitor, sente estar suficientemente informado
pela mídia, Folha inclusive, a
respeito desse quadro e de suas
implicações econômicas, políticas e geopolíticas imediatas, a
médio e a longo prazo?
Consegue entender por que a
França, a China, a Rússia e a
Alemanha, à parte o discurso
humanitário e pacifista, se
opõem, aqui, aos EUA?
Quais são o significado, a motivação e as consequências da
adesão chinesa à tese da antiinvasão imediata?
Qual tem sido o comportamento da mídia dos países diretamente envolvidos em relação
ao posicionamento de seus governos?
Como está, hoje, o nível de mobilização internacional de entidades, protestos e manifestações
contra a guerra?
Quais os cenários possíveis para o Brasil, política, diplomática
e economicamente?
Precariedade
Minha impressão, quanto à
Folha, é de que o jornal não se
preparou devidamente para o
que já está acontecendo -muito
menos para fazer uma cobertura
de qualidade da provável guerra.
Não fosse assim, suas páginas já
deveriam refletir esse esforço.
Não me refiro aos eventuais comentários de colunistas, aos editoriais, a artigos de fundo filosófico e cultural de intelectuais ou
ensaístas publicados, por exemplo, no Mais!. Esses textos todos
têm sua importância, é claro.
Preocupa-me, porém, o material oferecido ao leitor no dia-a-dia, na cobertura sistemática do
assunto.
Em 18 dias, até sexta-feira, a
editoria Mundo só publicou seis
artigos de analistas e comentaristas especializados em geopolítica ou guerra -material diferenciado que permite ao leitor
reflexão e orientação. O último,
na sexta, era, na verdade, um
editorial com a opinião do "New
York Times".
Alguma mudança nisso começou a surgir apenas na edição de
ontem, na qual o principal "investimento" é um texto de Paulo
Coelho -que tem qualidades
óbvias mas não é bem um especialista na área.
Curiosamente, aliás, outro
material próprio sobre o tema
que me vem à lembrança é a entrevista com o também escritor
José Saramago, em 24/2; e hoje o
britânico Martin Amis (mais um
escritor!) opina a respeito.
Outro exemplo: só no dia 1 deste mês o jornal trouxe reportagem (do correspondente em Paris) sobre as motivações econômicas (leia-se petróleo) da França e da Rússia na discussão sobre
a guerra, mas sem desdobramentos, depois, na cobertura.
O que tem prevalecido, nesse
período, é uma excessiva dependência em relação às agências
internacionais (elas são necessárias, indispensáveis, incontornáveis, mas não eximem um jornal
de ter a sua agenda específica) e
uma produção jornalística própria precária, quase inexistente.
Energia
Se a guerra estourar, mais uma
vez o jornalismo estará em jogo
-como ocorreu com o 11 de setembro, em 2001.
Agora, porém, o teste pode ser
ainda mais amplo.
Não estará em xeque apenas,
de novo, a sua capacidade de cobrir os acontecimentos com isenção, oferecer análises e prospecções -enfim, mostrar-se socialmente indispensável-, mas
também a de resistir às pressões
econômicas negativas derivadas
do conflito, que certamente atingiriam a já combalida situação
empresarial de grande parte dos
grupos de comunicação.
As duas coisas, no fundo, estão
totalmente ligadas.
Por ocasião dos atentados de
2001, a Folha demonstrou uma
vontade jornalística vigorosa,
capaz de gerar uma cobertura de
ótima qualidade, apesar de todas as dificuldades.
Mesmo guardadas as proporções -a guerra, afinal, ainda
não começou-, essa energia, a
meu ver, não se manifestou, até
agora, nos preparativos do iminente conflito.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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