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OMBUDSMAN
Olho fora do lance
BERNARDO AJZENBERG
De um leitor do bairro do
Brás, em São Paulo:
"Não tenho aplicação em fundos, não tendo sido, portanto,
prejudicado. Mas, como faço da
leitura dos jornais um exercício
diário, caso tivesse sido informado pela Folha, poderia ter alertado alguns amigos, um dos
quais até me cobrou, desolado:
"Poxa, você poderia ter me avisado, afinal, você lê tanto". Para
que serve mesmo a leitura dos
jornais?".
De um leitor residente em Wivenhoe, na Inglaterra:
"Será que em algum daqueles
quadrinhos de "onde aplicar seu
dinheiro" algum suposto especialista que assessora a editoria do
caderno alertou para as mudanças que o Banco Central havia
anunciado em fevereiro?".
Os dois leitores se referem ao
abalo provocado nos fundos de
investimento na semana que
passou a partir de uma mudança imposta na contabilização
dos valores diários das cotas desses fundos em vigor desde a sexta-feira (31/5).
A decisão do Banco Central é
de fevereiro. Sua data de aplicação sofreu alterações, por pressões de bancos, tendo sido fixada, por fim, para setembro, até
que, na quarta (29), decidiu-se
antecipá-la de vez.
Independentemente do que a
medida possa significar daqui
para a frente (seus defensores argumentam que ela torna a situação do investimento mais transparente, uniformizada e colada
à realidade do mercado), houve
perdas sensíveis, mudanças desse para aquele investimento e,
acima de tudo, muitas dúvidas,
pânico e temores entre os pequenos investidores.
Tudo isso num quadro de alta
do dólar e do chamado risco-país, além das conflitantes análises e/ou especulações a respeito
do que pesava mais para tal balbúrdia: a perspectiva de vitória
da oposição (leia-se Lula), a incerteza geral sobre o futuro, a
atual vulnerabilidade da economia brasileira, a ação faminta
de grandes especuladores, uma
alegada manobra política ou
mera barbeiragem do Banco
Central -ou simplesmente a soma de tudo isso.
O mercado financeiro sempre
viveu de nervosismo especulativo, explorando todas as possibilidades, políticas e econômicas,
ou refletindo tanto as angústias
mais ou menos forjadas quanto
as incertezas legítimas relativas
ao futuro. Realidade que se exacerba em ano eleitoral.
O que cobram esses e outros
leitores que contataram o ombudsman é o fato de que a Folha,
além de não ter chamado a atenção para as possibilidades concretas de perdas com os fundos
-fenômeno em pauta desde o
início do ano-, tampouco se
dedicou com o necessário vigor
ao longo da semana a esclarecer
e orientar os investidores/leitores
que nela buscam apoio.
O nervosismo do mercado contaminou o jornal. Ao se dar conta da dimensão do problema,
ele, em vez de serenamente voltar os olhos para seu público, entrou no movimento febril das especulações, reproduzindo em
seus textos explicações díspares
sobre a origem e o formato da
crise, além de expor uma dificuldade evidente para demonstrar
com exemplos reais o que acontecia no bolso do investidor e
suas perspectivas.
Registre-se, a bem da verdade,
que a Folha não esteve sozinha
no redemoinho. Os chamados
grandes jornais de informação
geral mostraram-se unanimemente atordoados pela agitação
(a diferença entre eles esteve no
ritmo com que retomaram algum prumo).
Registre-se, também, que o jornal procurou, já nos primeiros
dias, explicar o que são os fundos, como eles se formam e por
que teriam perdido valor. Tal didatismo, porém, ficou na superfície, deixando de encampar as
perguntas mais relevantes: como
e o que fazer?
A "trolha"
O caso é ainda mais sério, pensando na Folha, se se considera
que o jornal, por meio de seu caderno (hoje uma seção) de dicas
de investimentos, o FolhaInvest,
sempre foi claro entusiasta de
aplicações em fundos DI como
âncora firme no mercado de investimentos.
A ausência de orientação concreta, agora, não pode ser explicada pelo desconhecimento.
No dia 7 de janeiro, por exemplo, o jornal trouxe uma reportagem intitulada "Revise seu portfólio com mais frequência". Ali
se afirmava:
"Para vencer a instabilidade
financeira que 2002 promete, o
investidor terá de monitorar de
perto seu dinheiro. Isso significa
acompanhar os principais indicadores econômicos, questionar
sempre o gerente do banco sobre
quais são os melhores investimentos e saber avaliar muito
bem o prazo e o objetivo da aplicação".
Perfeito. Só que, até o final de
maio, apesar de a decisão do BC
ter sido de fevereiro e de muitos
fundos já terem a partir de abril
começado a aplicar a nova regra, o jornal manteve as mesmas
dicas de antes, favoráveis aos
fundos DI como a principal indicação, sem alerta específico.
Em que pese material sobre o
assunto ter saído em jornais especializados (em 2 de maio, por
exemplo, o "Valor" trouxe reportagem sobre o tema com o título
"Fundo DI não é mais aquele"),
a Folha parecia não se ter dado
conta, ainda, do tamanho da
"trolha" que estava por vir.
Apenas em 26 de maio, numa
reportagem ampla sobre o tema,
anunciou-se o drama: "Fundos
DI deixam de ser "porto seguro'".
Ao pé do texto, uma dica:
"Quem tem dinheiro aplicado
em um fundo que apresentou
variação negativa ou perda de
rentabilidade (...) não deve migrar temendo novas perdas. O
risco de trocar de aplicação é sofrer novas perdas quando o gestor do novo fundo fizer o ajuste
da cota, adotando a nova forma
de contabilização dos ativos".
Hiato
Apesar de ser um assunto complicado e sujeito a manipulações
políticas (evidenciadas semana
passada tanto do lado do governo como no da oposição), de um
modo ou de outro estava claro,
para os analistas e para o jornal,
o que ocorria e o que poderia
ocorrer. Sabia-se que as mudanças afetariam os investidores de
qualquer maneira.
Se assim era, por que desde o
primeiro momento não se poupou o leitor de tantas dúvidas sobre o destino de seu dinheiro?
Por que só na edição de quinta-feira (6), quando os leitores
envolvidos já amargavam dias
de estado de choque, a Folha deu
orientações claras sobre o que fazer diante do rebuliço instalado
desde uma semana antes e agravado dia a dia?
Não é a primeira vez que ocorre um hiato, numa espécie de
omissão involuntária, entre o
que o jornal conhece e o que ele,
na prática e com a devida ênfase, passa a seus leitores.
Não se trata de má-fé, mas de
uma questão de eixo editorial e
prioridades: muitas vezes, mais
do que escrever para quem compra o jornal, o jornalista parece
escrever para si próprio, seus pares ou suas fontes -isso, quando
não sabe simplesmente a quem,
na verdade, está se dirigindo.
Ninguém tem dúvida de que o
que aconteceu nesses últimos
dias representou uma lição grave e dura para os aplicadores
menores e mais conservadores:
não existe investimento totalmente seguro.
Que os jornais -dos quais esses aplicadores/leitores sempre
esperam muito e nos quais, às
vezes teimosamente, depositam
confiança- também tenham tirado disso tudo alguma lição.
A semana era para ser da Copa do Mundo, mas o tema foi
atropelado pela cobertura da
crise dos fundos de investimento
e seus entornos.
O caderno da Folha sobre o
torneio trouxe novidades gráficas e uma linguagem mais "solta", "descontraída".
É evidente o contraste visual
entre ele e os cadernos publicados pelos outros jornais, de traços, digamos, mais tradicionais.
Alguns leitores se queixaram
ao ombudsman quanto à legibilidade e à organização dos assuntos em suas páginas.
Em alguns casos estive de acordo e comentei-os em críticas internas. Em outros, não.
Voltaremos ao assunto.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
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