|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
As noivas
BERNARDO AJZENBERG
No dia 16 de março, uma jovem subiu uma escada encostada no muro da Polícia Federal no bairro de Higienópolis
(São Paulo), onde estava preso
Luiz Estevão. Dizia-se uma vizinha do local. Do alto, elogiou o
ex-senador, que tomava sol no
pátio: "Você é mais bonito ao vivo". A imprensa registrou sem
hesitar a curiosa cena.
O Painel da Folha, dia 20 daquele mês, trouxe a explicação,
na nota "Escada oportuna":
"Admiradora? Que nada. A "vizinha" da Polícia Federal, que subiu no muro para ver e elogiar
Luiz Estevão, é a próxima capa
de uma revista masculina".
O gesto "espontâneo", portanto, não passara de uma armação
propagandística, na qual a imprensa atuou sem querer.
Retomo o episódio para falar
de outra promoção, ocorrida semana passada, mas que, diferentemente da anterior, teve a colaboração ativa da imprensa. Desta vez, os jornais, Folha à frente,
não foram ludibriados: participaram, como cúmplices, da propaganda.
Numa criativa e bem-humorada idéia de marketing, bolou-se
colocar três moças vestidas de
noiva para escalar (fazer rapel)
um prédio da avenida Paulista
ao som de "As quatro estações",
de Vivaldi, executada ao vivo por
um violinista. Objetivo: chamar
a atenção para uma feira especializada em véus e vestidos.
Avisada com antecedência pelos organizadores, a imprensa
deslocou profissionais. Na edição
de quinta, a Folha publicou a foto com excepcional destaque
(14,5cm x 20,5cm) em sua capa.
"Na nossa avaliação", afirma
Paula Cesarino Costa, secretária
de Redação, "o destaque se justifica pelo inusitado da cena, ocorrida em local considerado como
"coração" da cidade, e pela beleza
intrínseca da imagem. Esses aspectos, sobretudo em fotografia
jornalística, se sobrepõem a objeções quanto ao involuntário efeito promocional da publicação,
diluído nesse caso por beneficiar
uma feira do setor e não uma
empresa apenas".
Interrogações
Em duas oportunidades (18 de
março e 5 de agosto), abordei
aqui a nociva e crescente confusão existente na imprensa entre
informação e comunicação. Pois
o tema retorna agora.
A imagem é cativante. A foto,
plasticamente irrepreensível (faz
lembrar aquelas fotos de... publicidade). Mas interrogações no
mínimo polêmicas cercam o caso. Trata-se de um fato jornalístico? Deveria, o jornal, ignorá-lo só
porque se trata da divulgação de
um evento e não de uma notícia?
Merecia tanto destaque?
Faz tempo que a publicidade
deixou de se limitar ao tradicional (jornal, TV, revista, rádio, cinema, merchandising, outdoor,
displays, mala-direta) e passou a
sofisticar suas ações.
A questão é: de que forma deve
o jornalismo tratar eventos derivados desse tipo diferente de estratégia de comunicação?
Fazer a cobertura da feira propriamente dita seria natural para uma editoria de negócios (que
mercadorias se apresentam ali,
qual a expectativa de vendas,
serviços sobre o local, datas e horários etc.). Já a divulgação institucional do evento deve ser tratada com especial cautela.
Nesse caso, dada a curiosidade
despertada pelo rapel exótico em
local tão estratégico, caberia,
sim, um registro jornalístico.
Mas duvido que seus próprios
organizadores não se tenham
surpreendido com as dimensões
que lhe garantiu a Folha -o
maior jornal do país-, sem que
precisassem gastar um tostão em
espaço publicitário.
Além da Folha, só o "Diário de
S.Paulo" e o "Jornal da Tarde"
publicaram fotos em capas, ainda assim com menos destaque.
"Jornal do Brasil", "Valor",
"Gazeta Mercantil" ignoraram o
chamado. O "Estado de S.Paulo"
publicou foto e texto pequenos
em página interna. O "Agora"
fez algo semelhante, mas mais
discreto. O "Globo" trouxe foto
grande, mas na sua página 2.
Pode-se arguir que este ombudsman faz barulho por nada,
sobre um acontecimento fugaz,
divertido, marginal. Engano.
Nesse episódio, bem mais do
que no da modelo que subiu no
muro da PF (no qual, insisto, a
imprensa foi usada), esconde-se
uma questão decisiva: até que
ponto o jornalismo (informação,
notícia) está disposto a incorporar, feito uma esponja, elementos
mais ou menos explícitos de propaganda, sujeitando-se, mesmo
inconscientemente, a manipulações do "mercado"?
Por mais irresistivelmente bela
que seja a imagem criada, por
mais que a cena montada seja
bacaninha e inusitada, curiosa
ou engraçada, a questão é de delimitação de terrenos. E, aqui,
vale a pena ser "xiita", chato até,
zelar pelas devidas proporções.
Cada vez mais engenhosos, publicitários e organizadores de
eventos nada têm a ver com isso
-eles fazem o seu trabalho. Mas
será que, em casos assim, o jornalismo está a fazer o seu?
Próximo Texto: Enquanto isso, no front... Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|