|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Imprensa, gênero masculino
MARCELO BERABA
O "Painel do Leitor" da
Folha recebe cerca de 600
cartas e e-mails por semana.
Com o espaço que tem, duas colunas diárias na página A3, o
aproveitamento é muito pequeno, não chega a 10%. Isso gera
muita frustração e o ombudsman volta e meia recebe manifestações de leitores insatisfeitos
com as dificuldades que encontram para publicar suas opiniões.
A reivindicação por mais espaço não é nova e já deve ter sido tratada, sem êxito, por outros ombudsmans. Mas me chamou a atenção, nesta semana,
uma cobrança diferente, vinda
de Belo Horizonte e assinada
pela professora Modesta Trindade Theodoro.
Ela se deu ao trabalho de contar quantas cartas publicadas
na Folha e em dois jornais de
Minas, "Em Tempo" e "Estado
de Minas", eram assinadas por
mulheres. Foram só quatro dias
de pesquisa, entre os dias 1º e 4
de julho, mas o resultado foi significativo.
A professora contou 84 cartas
publicadas nos três jornais. Resultado: 77% eram assinadas
por homens e 23%, por mulheres. Resolvi estender o levantamento, na Folha, para uma semana completa, de sábado, dia
3, à sexta, dia 9. O resultado foi
semelhante. O jornal publicou
57 cartas no seu "Painel do Leitor", sendo 43 assinadas por homens (75%) e 14 (25%) por mulheres.
Pesquisei nos dois concorrentes diretos, e o resultado foi bem
parecido. No mesmo período,
"O Estado" publicou 87 cartas
nas suas duas seções, "Fórum
dos Leitores" e "Fórum de Debate": 65 assinadas por homens
(75%) e 22 por mulheres (25%).
No "Globo", foram 137 cartas,
sendo 108 de homens (79%) e 29
(21%) de mulheres.
E as articulistas?
Mas a curiosidade da professora Theodoro não se limitou às
cartas. Ela foi conferir os artigos
de opinião que esses jornais publicam e encontrou um quadro
ainda mais masculino. De 55
artigos que contou nos três jornais naqueles quatro dias, 50
eram assinados por homens
(91%) e apenas cinco por mulheres (9%).
Apliquei o mesmo critério na
Folha, mas me limitei aos artigos da página A3, em "Tendências e Debates". O jornal publica artigos em vários espaços
diariamente, mas aquela é a
página nobre destinada a "estimular o debate dos problemas
brasileiros e mundiais" e a "refletir as diversas tendências do
pensamento contemporâneo".
São dois artigos por dia, raramente um único texto ocupa
toda a página. No período que
observei, foram publicados 14
artigos, todos assinados por homens. Todos. O último artigo
assinado por uma mulher saiu
na sexta-feira, dia 2, de Maria
Sylvia Carvalho Franco, professora de Filosofia da Unicamp e
da USP, "Lula e cultura popular". Na sexta anterior, 25 de
junho, saíra "O Brasil na França", da escritora e psicanalista
Betty Milan.
A situação nos dois concorrentes é absolutamente igual. Na
semana pesquisada, "O Estado"
publicou 14 artigos no seu "Espaço Aberto" e "O Globo", 15 (não
incluí os articulistas fixos). Todos
assinados por homens.
Levantamento feito pela Coordenação de Artigos e Eventos da
Folha, responsável pela edição
dos artigos, revela que nos últimos 365 dias foram publicados
730 artigos e apenas 63 foram assinados por mulheres. Ou seja,
9%, o mesmo percentual descoberto pela professora Theodoro.
Problemas distintos
As conversas que tive com os
responsáveis pelo "Painel do Leitor", Luiz Antônio Del Tedesco, e
pelos artigos, Fábio Chiossi, mostram que são dois fenômenos diferentes.
O caso dos artigos é única e exclusiva responsabilidade dos jornais. Embora eles aceitem colaborações, a maioria dos artigos
que publicam é por encomenda.
Segundo Chiossi, a edição dos artigos não segue uma política de
cotas de gênero, mas tem como
critério o cargo, a representatividade e a qualidade do texto do
articulista. "A mínima participação de mulheres não é intencional", diz.
Não é possível que não existam
nas universidades, nos institutos
especializados e nas ONGs igual
número de mulheres com conhecimento e qualidade de texto que
possam escrever nos jornais. Não
é uma questão de intenção, mas
de política editorial e de vontade.
O problema das cartas é diferente porque, pelo levantamento
feito por Tedesco, é pequeno o
número de cartas que chegam assinadas por mulheres. Na quinta,
véspera do feriado paulista, ele
recebeu 68 cartas e e-mails. Destas, apenas nove (13%) foram enviadas por mulheres.
E por que as mulheres escrevem
tão pouco para os jornais? Na
carta que enviou, a professora
Theodoro levanta três possibilidades, em forma de perguntas:
"Cartas e artigos são enviados e
rejeitados? As mulheres não gostam de escrever (para essas seções)? Ou elas não têm tempo?".
Não sei. O jornal é tradicionalmente identificado com o público
masculino, mas isso vem mudando com os anos. O último Perfil
do Leitor da Folha, realizado em
2000, mostrou que metade dos
leitores do jornal é formada por
mulheres.
A Folha deveria refletir um
pouco sobre essa situação se quer
estar em sintonia com o seu público e crescer. O "Painel do Leitor" é o que menos cartas publica
entre os três grandes jornais. Assim como os dois concorrentes,
quase todos os dias o pequeno espaço é ocupado parcialmente por
direitos de resposta, e não por
opiniões de leitores e leitoras.
O jornal deveria abrir mais espaço com a preocupação de que a
edição das cartas reflita equilíbrio e diversidade.
Próximo Texto: Frase Índice
Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|