São Paulo, domingo, 12 de março de 2000


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Abobrinhas.com

RENATA LO PRETE

Perigo: "os EUA podem estar enfrentando uma epidemia de compulsão sexual entre os usuários da Internet". O alerta, dado pela Folha no sábado de Carnaval, baseia-se na descoberta de que "pelo menos 1%" dos internautas americanos "passam mais de dez horas por semana conectados a sites de conteúdo sexual".
O diagnóstico é do Centro de Estudos Conjugais e de Sexualidade. Dele foi dito apenas que fica na Califórnia, mas com as opiniões de um dos autores da pesquisa o jornal não economizou espaço.
Segundo o entrevistado, "a maioria dos atingidos pela compulsão sexual são homens, parte deles casados".
Mas a situação deve mudar. "Mulheres e homossexuais são mais propensos a apresentar a compulsão". De acordo com ele, a rede os "libera para praticar on line um comportamento que poderia ser discriminado em público".
"Isso é bom", analisa, "mas ao mesmo tempo os expõe ao risco de ter problemas". O pesquisador conclui: "É uma epidemia sobre a qual ninguém está falando".
Quanto a isso ele pode ficar tranquilo, porque a Folha destacou o assunto no alto da contracapa do primeiro caderno, dando aparência de notícia a essa mistura de metodologia duvidosa, chute e lugar-comum.
"Quer ver seu nome na primeira página do "New York Times" e de outros jornais?", perguntou o colunista Scott Rosenberg, da revista eletrônica "Salon". "Basta produzir um estudo concluindo que a Internet faz mal às pessoas."
Bingo. Não importa sua origem ou consistência, histórias que associam a vida on line a vício e violência têm lugar garantido no cardápio de temas da imprensa. Da safra recente, a mais comentada foi a que apontou uma "onda de isolamento social" provocada pela Internet.
O levantamento da Universidade de Stanford, registrou a capa da Folha em 17 de fevereiro, "indica que os norte-americanos estão passando menos tempo com familiares e amigos" para navegar na rede de computadores.
Algumas respostas de 4.113 usuários regulares:
8% frequentam menos eventos sociais;
13% diminuíram o tempo de convívio com parentes e amigos;
26% usam menos o telefone para se comunicar com eles;
25% levam mais trabalho para casa.
Junto com os números, o texto, traduzido do "NYT", trouxe as previsões do coordenador do estudo.
A "obsessão pela Internet" está "aumentando o risco de um mundo sem contato com humanos ou emoções", afirmou o pesquisador. "Seremos milhões de pessoas praticamente sem interação social."
Como única ressalva, o repórter observou que "alguns entusiastas" do novo meio "sustentam que ele propiciou o aparecimento de relações alternativas que podem substituir, ou mesmo aumentar, contatos familiares e sociais".
Apresentado como ponto pacífico ao leitor da Folha, o estudo de Stanford recebeu um bombardeio de questionamentos nos EUA. Alguns deles:
a) as manchetes preferiram ignorar o fato de que a esmagadora maioria dos entrevistados NÃO reduziu o tempo dedicado à família e aos amigos ou a frequência a eventos sociais;
b) ainda que a pesquisa tenha incluído outras perguntas, as conclusões sobre isolamento foram baseadas em apenas três, todas de formulação vaga;
c) aqueles que diminuíram o uso do telefone não estariam recorrendo ao e-mail para se comunicar com as mesmas pessoas?
d) por que a correspondência eletrônica seria mais impessoal do que o telefone?
Também valeria a pena discutir por que é considerado negativo, em princípio, trocar um compromisso social pela possibilidade de ler, escrever ou conversar pelo computador. Qualquer um já experimentou isolamento maior na primeira situação.
Não se trata de defender uma abordagem promocional das mudanças de comportamento causadas pela Internet. É importante tentar detectá-las, mas para isso não basta engolir qualquer coisa que possa ser chamada, ainda que por parentesco distante, de pesquisa.
Quem for aos arquivos descobrirá previsões sombrias que cercaram o surgimento de inovações como o telefone e a televisão. Parte teve alguma confirmação. Parte virou anedota.
É função do jornal duvidar, contrapor argumentos, garantir a presença do elemento contraditório. Se é verdade que ele pretende exercer um papel de referência em meio ao fluxo crescente de informações à disposição do leitor, de nada adiantará pintar a Internet como bicho-papão.



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