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Abobrinhas.com
RENATA LO PRETE
Perigo: "os EUA podem estar
enfrentando uma epidemia de
compulsão sexual entre os
usuários da Internet". O alerta,
dado pela Folha no sábado de
Carnaval, baseia-se na descoberta de que "pelo menos 1%"
dos internautas americanos
"passam mais de dez horas por
semana conectados a sites de
conteúdo sexual".
O diagnóstico é do Centro de
Estudos Conjugais e de Sexualidade. Dele foi dito apenas que
fica na Califórnia, mas com as
opiniões de um dos autores da
pesquisa o jornal não economizou espaço.
Segundo o entrevistado, "a
maioria dos atingidos pela
compulsão sexual são homens,
parte deles casados".
Mas a situação deve mudar.
"Mulheres e homossexuais são
mais propensos a apresentar a
compulsão". De acordo com ele,
a rede os "libera para praticar
on line um comportamento que
poderia ser discriminado em
público".
"Isso é bom", analisa, "mas ao
mesmo tempo os expõe ao risco
de ter problemas". O pesquisador conclui: "É uma epidemia
sobre a qual ninguém está falando".
Quanto a isso ele pode ficar
tranquilo, porque a Folha destacou o assunto no alto da contracapa do primeiro caderno,
dando aparência de notícia a
essa mistura de metodologia
duvidosa, chute e lugar-comum.
"Quer ver seu nome na primeira página do "New York Times" e de outros jornais?", perguntou o colunista Scott Rosenberg, da revista eletrônica "Salon". "Basta produzir um estudo concluindo que a Internet
faz mal às pessoas."
Bingo. Não importa sua origem ou consistência, histórias
que associam a vida on line a
vício e violência têm lugar garantido no cardápio de temas
da imprensa. Da safra recente, a
mais comentada foi a que
apontou uma "onda de isolamento social" provocada pela
Internet.
O levantamento da Universidade de Stanford, registrou a
capa da Folha em 17 de fevereiro, "indica que os norte-americanos estão passando menos
tempo com familiares e amigos"
para navegar na rede de computadores.
Algumas respostas de 4.113
usuários regulares:
8% frequentam menos eventos sociais;
13% diminuíram o tempo de
convívio com parentes e amigos;
26% usam menos o telefone
para se comunicar com eles;
25% levam mais trabalho para casa.
Junto com os números, o texto, traduzido do "NYT", trouxe
as previsões do coordenador do
estudo.
A "obsessão pela Internet" está "aumentando o risco de um
mundo sem contato com humanos ou emoções", afirmou o pesquisador. "Seremos milhões de
pessoas praticamente sem interação social."
Como única ressalva, o repórter observou que "alguns entusiastas" do novo meio "sustentam que ele propiciou o aparecimento de relações alternativas
que podem substituir, ou mesmo aumentar, contatos familiares e sociais".
Apresentado como ponto pacífico ao leitor da Folha, o estudo de Stanford recebeu um
bombardeio de questionamentos nos EUA. Alguns deles:
a) as manchetes preferiram
ignorar o fato de que a esmagadora maioria dos entrevistados
NÃO reduziu o tempo dedicado
à família e aos amigos ou a frequência a eventos sociais;
b) ainda que a pesquisa tenha
incluído outras perguntas, as
conclusões sobre isolamento foram baseadas em apenas três,
todas de formulação vaga;
c) aqueles que diminuíram o
uso do telefone não estariam recorrendo ao e-mail para se comunicar com as mesmas pessoas?
d) por que a correspondência
eletrônica seria mais impessoal
do que o telefone?
Também valeria a pena discutir por que é considerado negativo, em princípio, trocar um
compromisso social pela possibilidade de ler, escrever ou conversar pelo computador. Qualquer um já experimentou isolamento maior na primeira situação.
Não se trata de defender uma
abordagem promocional das
mudanças de comportamento
causadas pela Internet. É importante tentar detectá-las, mas
para isso não basta engolir
qualquer coisa que possa ser
chamada, ainda que por parentesco distante, de pesquisa.
Quem for aos arquivos descobrirá previsões sombrias que
cercaram o surgimento de inovações como o telefone e a televisão. Parte teve alguma confirmação. Parte virou anedota.
É função do jornal duvidar,
contrapor argumentos, garantir
a presença do elemento contraditório. Se é verdade que ele pretende exercer um papel de referência em meio ao fluxo crescente de informações à disposição do leitor, de nada adiantará
pintar a Internet como bicho-papão.
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