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OMBUDSMAN
Jornalismo "talão de cheques"
BERNARDO AJZENBERG
A volta de Ronald Biggs à Inglaterra no último domingo
é um dos casos jornalísticos mais
polêmicos dos últimos tempos.
Fugitivo da prisão de Wandswoth (Londres) depois de 15 meses detido por participar do célebre assalto ao trem postal da linha Glasgow-Londres em 1963,
Biggs chegou ao Brasil em 1970.
Após 31 anos, embarcou num jato fretado pelo tablóide "The
Sun", voltando ao seu país para
cumprir a pena que lhe cabe -e
outra pela fuga.
A história é cinematográfica,
dados o personagem, a logística
ultramarina, a dramaticidade e
os aspectos éticos que a chamada
"Operação Ron" destaca.
Segundo concorrentes, o tablóide pagou a Biggs, filho e amigos uma quantia próxima a R$
500 mil, além das despesas com o
avião (R$ 190 mil) e advogados
(valor não estimado). Tudo para
patrocinar o retorno, recebendo
em troca exclusividade de imagem e de depoimentos.
A história contada pelo jornal
é que foi procurado em março
por enviados de Biggs, os quais
teriam exposto seu desejo de voltar a Londres. Começou aí a negociação -"dura", diz o "Sun".
Ao contrário do que ocorre no
Brasil, onde pagar por histórias
ou exclusividades é algo, em tese,
abjeto, eticamente repugnante, o
jornalismo "talão de cheques" é
usual no Reino Unido.
O "Code of Practice", código de
conduta da Press Complaints
Commission (Comissão de Queixas contra a Imprensa), dedica
um artigo ao tema (veja no quadro acima). Ele admite o uso de
dinheiro na caça a histórias exclusivas, a não ser para criminosos e seus próximos. Ainda assim, no caso desses últimos, considera legítimo o pagamento se
houver "interesse público".
Por isso se entende: "descobrir
ou expor crimes ou delitos graves; proteger a saúde pública e a
segurança; evitar que as pessoas
sejam enganadas por alguma
afirmação ou ação por parte de
pessoa física ou organização".
Tarefa difícil
O "Sun", que vende 4 milhões
de exemplares, foi questionado
pela PCC. Terá de demonstrar o
interesse público da "Operação
Ron" e que esta não obedece
apenas a apelo comercial. Tarefa
difícil, pois a rendição de Biggs
não parece se enquadrar nas definições acima.
Na quarta-feira, troquei e-mails com William Newman,
ombudsman do "Sun". Ele banca a ação do jornal sem hesitar:
"É verdade que o Código de
Conduta proíbe pagamentos a
criminosos... SALVO QUANDO
HOUVER INTERESSE PÚBLICO. E esse é claramente o caso
em questão. Tivemos que pagar
somas vultosas a várias pessoas
para alcançar o resultado desejado, que era trazer de volta um
fugitivo da Justiça e devolvê-lo à
prisão -e dar um dos melhores
furos! Trazê-lo de volta com nosso próprio dinheiro -portanto
economizando o dos contribuintes- significa que ao menos
parte do dinheiro que pagamos
será usado por Biggs na apresentação de recurso, desse modo
economizando mais dinheiro
dos contribuintes que, caso contrário, precisariam financiar um
programa de assistência jurídica. Tenho certeza de que os
membros do PCC aceitarão a defesa de interesse público".
Pode ser sinal de ingenuidade,
mas, no seu lugar, eu não estaria
tão certo assim.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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