São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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Campanhas e manifestos

RENATA LO PRETE Sai Eduardo Jorge. Entra o Ministério Público. A mudança de foco que parte da imprensa vinha ensaiando intensificou-se depois do depoimento do ex-secretário-geral da Presidência no Senado.
São dois os movimentos em curso. O primeiro é uma campanha para desacreditar os procuradores que vêm se destacando nas investigações nascidas do desvio de dinheiro da obra do TRT de São Paulo. Entre eles, o alvo principal é Luiz Francisco de Souza.
Seria um equívoco considerar toda e qualquer crítica à atuação dos promotores parte da orquestração. Mas que ela existe e ganhou força nos últimos dias qualquer um pode ver.
O segundo movimento é a disputa dentro do Ministério Público. No mais notável episódio de divergência entre correntes internas, a subprocuradora-geral Delza Curvello Rocha acusa Luiz Francisco de tentar ligá-la às falcatruas no TRT.
A ação seria represália a um voto de Delza. Em 1998, ela considerou que não cabia recomendar ao Tesouro a sustação de verbas para a obra do Fórum Trabalhista.
Na versão da subprocuradora-geral, Luiz Francisco e colegas fizeram chegar à imprensa documento em que Delza aparecia como suspeita de irregularidades. A denúncia publicada serviu de base a uma representação interna contra Delza.
Ainda de acordo com ela, Luiz Francisco teria posteriormente alterado o documento, suprimindo a citação de seu nome como suspeita, para não ter de responder por tal acusação. O procurador sustenta que não fez a mudança.
Parte dessa história já havia sido divulgada pelos jornais. Mas na semana passada a subprocuradora-geral decidiu apelar ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão do Ministério da Justiça. Considera-se vítima de achincalhe.
Na terça-feira, dia em que o caso mereceu páginas e páginas no "Estado", observei na crítica interna que:
a) respeitada a liberdade de opinião de seus colunistas, a Folha, até o momento, não participa da campanha para silenciar os procuradores, um bom sinal;
b) sua edição não trazia uma linha sobre as acusações de Delza contra Luiz Francisco, um mau sinal.
Não havia equilíbrio na reportagem do concorrente, cem por cento identificada com a posição da subprocuradora-geral. Mas, descontado o viés do noticiário, era evidente que existiam ali informações que a Folha tinha a obrigação de dar a seu leitor. No dia seguinte, o jornal recuperou a história.
Se é verdade que uma reportagem sobre o tiroteio dentro do Ministério Público não deveria ser contaminada pela intenção de perseguir determinados procuradores, também é certo que o clima hostil não elimina a obrigação de relatar as divergências sem proteger nenhuma das partes envolvidas.
A constatação pode ser óbvia, mas obviedades como essa são rapidamente esquecidas em uma cobertura como a do caso Eduardo Jorge.
É comum ouvir de leitores a avaliação, sob vários aspectos correta, de que Folha e "Estado" ficaram cada vez mais parecidos em anos recentes. Neste momento, no entanto, o contraste não poderia ser maior.
Embora não seja o único, o concorrente local é de longe o diário mais afinado com o esforço do governo para tirar Eduardo Jorge de cena e limitar o roteiro da imprensa ao juiz Nicolau e à roubalheira no TRT.
A Folha, por sua vez, empenha-se em investigar as atividades do ex-secretário-geral. A opção pode resultar em uma cobertura corajosa e independente, desde que não se caia no conto da camaradagem.
Exemplo. Na sexta-feira, o jornal errou ao subestimar o "mea culpa" de Luiz Francisco no depoimento ao Senado. "Volta e meia os procuradores fazem trabalhos açodados", disse ele. "A gente reconhece, honestamente, que às vezes fala demais. Eu mesmo faço a autocrítica."
Seja porque era resposta ao fogo cerrado dos últimos dias, seja porque ajudou a desarmar os governistas presentes, a declaração merecia menção na chamada de capa e destaque no material interno. Ficou escondida no pé da última página dedicada ao depoimento.
De volta ao assunto inicial, nada contra discutir a "simbiose" entre Ministério Público e imprensa, defendida por Luiz Francisco em uma espécie de manifesto enviado a colegas e agora divulgado por Delza.
Está mais do que na hora de o leitor saber como funciona essa dobradinha, quase nunca explícita nos textos, embora responsável por muitas manchetes.
O debate não irá muito longe se a ênfase for dada a pseudodescobertas do gênero "procuradores usam a mídia". Não diga. O governo também usa. Empresários também usam. A lista é longa. Desde que a mídia aceite e/ ou tenha interesse em ser usada.
Como me disse um colega recentemente, a questão é saber quando, no relacionamento entre Ministério Público e imprensa, o que está circulando é vento, e não informação. Tendo a acreditar que o leitor percebe a diferença com muito mais facilidade do que imaginam os jornalistas.
A discussão é bem-vinda, desde que não se tente usá-la para escamotear o principal. Já foi dito, mas vale lembrar: não foram os procuradores que desapareceram com os R$ 169 milhões; também não eram eles que estavam no Palácio do Planalto tratando com o juiz Nicolau.



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