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Campanhas e manifestos
RENATA LO PRETE
Sai Eduardo Jorge. Entra o Ministério Público. A mudança
de foco que parte da imprensa
vinha ensaiando intensificou-se
depois do depoimento do ex-secretário-geral da Presidência no
Senado.
São dois os movimentos em
curso. O primeiro é uma campanha para desacreditar os procuradores que vêm se destacando
nas investigações nascidas do
desvio de dinheiro da obra do
TRT de São Paulo. Entre eles, o
alvo principal é Luiz Francisco
de Souza.
Seria um equívoco considerar
toda e qualquer crítica à atuação dos promotores parte da orquestração. Mas que ela existe e
ganhou força nos últimos dias
qualquer um pode ver.
O segundo movimento é a disputa dentro do Ministério Público. No mais notável episódio de
divergência entre correntes internas, a subprocuradora-geral
Delza Curvello Rocha acusa Luiz
Francisco de tentar ligá-la às falcatruas no TRT.
A ação seria represália a um
voto de Delza. Em 1998, ela considerou que não cabia recomendar ao Tesouro a sustação de
verbas para a obra do Fórum
Trabalhista.
Na versão da subprocuradora-geral, Luiz Francisco e colegas fizeram chegar à imprensa documento em que Delza aparecia
como suspeita de irregularidades. A denúncia publicada serviu de base a uma representação
interna contra Delza.
Ainda de acordo com ela, Luiz
Francisco teria posteriormente
alterado o documento, suprimindo a citação de seu nome como suspeita, para não ter de responder por tal acusação. O procurador sustenta que não fez a
mudança.
Parte dessa história já havia sido divulgada pelos jornais. Mas
na semana passada a subprocuradora-geral decidiu apelar ao
Conselho de Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana, órgão do
Ministério da Justiça. Considera-se vítima de achincalhe.
Na terça-feira, dia em que o
caso mereceu páginas e páginas
no "Estado", observei na crítica
interna que:
a) respeitada a liberdade de
opinião de seus colunistas, a Folha, até o momento, não participa da campanha para silenciar
os procuradores, um bom sinal;
b) sua edição não trazia uma
linha sobre as acusações de Delza
contra Luiz Francisco, um mau
sinal.
Não havia equilíbrio na reportagem do concorrente, cem por
cento identificada com a posição
da subprocuradora-geral. Mas,
descontado o viés do noticiário,
era evidente que existiam ali informações que a Folha tinha a
obrigação de dar a seu leitor. No
dia seguinte, o jornal recuperou
a história.
Se é verdade que uma reportagem sobre o tiroteio dentro do
Ministério Público não deveria
ser contaminada pela intenção
de perseguir determinados procuradores, também é certo que o
clima hostil não elimina a obrigação de relatar as divergências
sem proteger nenhuma das partes envolvidas.
A constatação pode ser óbvia,
mas obviedades como essa são
rapidamente esquecidas em
uma cobertura como a do caso
Eduardo Jorge.
É comum ouvir de leitores a
avaliação, sob vários aspectos
correta, de que Folha e "Estado"
ficaram cada vez mais parecidos
em anos recentes. Neste momento, no entanto, o contraste não
poderia ser maior.
Embora não seja o único, o
concorrente local é de longe o
diário mais afinado com o esforço do governo para tirar Eduardo Jorge de cena e limitar o roteiro da imprensa ao juiz Nicolau e
à roubalheira no TRT.
A Folha, por sua vez, empenha-se em investigar as atividades do ex-secretário-geral. A opção pode resultar em uma cobertura corajosa e independente,
desde que não se caia no conto
da camaradagem.
Exemplo. Na sexta-feira, o jornal errou ao subestimar o "mea
culpa" de Luiz Francisco no depoimento ao Senado. "Volta e
meia os procuradores fazem trabalhos açodados", disse ele. "A
gente reconhece, honestamente,
que às vezes fala demais. Eu
mesmo faço a autocrítica."
Seja porque era resposta ao fogo cerrado dos últimos dias, seja
porque ajudou a desarmar os governistas presentes, a declaração
merecia menção na chamada de
capa e destaque no material interno. Ficou escondida no pé da
última página dedicada ao depoimento.
De volta ao assunto inicial, nada contra discutir a "simbiose"
entre Ministério Público e imprensa, defendida por Luiz
Francisco em uma espécie de
manifesto enviado a colegas e
agora divulgado por Delza.
Está mais do que na hora de o
leitor saber como funciona essa
dobradinha, quase nunca explícita nos textos, embora responsável por muitas manchetes.
O debate não irá muito longe
se a ênfase for dada a pseudodescobertas do gênero "procuradores usam a mídia". Não diga. O
governo também usa. Empresários também usam. A lista é longa. Desde que a mídia aceite e/
ou tenha interesse em ser usada.
Como me disse um colega recentemente, a questão é saber
quando, no relacionamento entre Ministério Público e imprensa, o que está circulando é vento,
e não informação. Tendo a acreditar que o leitor percebe a diferença com muito mais facilidade
do que imaginam os jornalistas.
A discussão é bem-vinda, desde que não se tente usá-la para
escamotear o principal. Já foi dito, mas vale lembrar: não foram
os procuradores que desapareceram com os R$ 169 milhões; também não eram eles que estavam
no Palácio do Planalto tratando
com o juiz Nicolau.
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