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OMBUDSMAN
Para não esquecer
BERNARDO AJZENBERG
Compare os títulos no quadro à direita. Eles mostram
como se comportaram sexta-feira os principais jornais do país
em relação aos eventos ocorridos
na Venezuela na noite anterior.
Com exceção da Folha, todos
trocaram suas manchetes nas
edições que se encerravam mais
tarde, noticiando a queda do
presidente Hugo Chávez.
Nessas trocas, todos, menos a
Folha, adotaram títulos mais
fortes, em seis colunas, ocupando
todo o espaço superior da capa.
Perguntas óbvias: o que aconteceu com a Folha? Por que ela
não noticiou, como os demais, a
histórica deposição de Chávez?
Algumas explicações imagináveis: 1) o jornal não tinha as mesmas informações dos outros; 2)
encerrou suas atividades mais
cedo, antes deles; 3) não considerava viável bancar a afirmação,
optando por uma saída "cautelosa"; 4) julgou equivocadamente as notícias de que dispunha.
Descarte-se o primeiro item:
com a internet e a TV paga, todos os jornais têm acesso, em
princípio, às mesmas fontes internacionais.
A leitura dos textos publicados
revela que reproduziram basicamente as mesmas declarações de
autoridades militares ou políticas venezuelanas.
Descarte-se, também, a segunda hipótese. A Folha não "fechou" mais cedo, por exemplo,
do que seu concorrente local, "O
Estado de S.Paulo" (em torno da
meia-noite e meia). Além disso,
como muitos leitores sabem, em
casos excepcionais é possível o
jornal retardar um pouco a sua
impressão para tentar incluir informações.
A deposição de Chávez foi o
ponto de chegada de uma sucessão de eventos iniciados com
uma paralisação de petroleiros,
expandidos numa greve geral
(de empresários e trabalhadores)
terça e quarta-feira, culminando
com uma mobilização de milhares de pessoas em frente ao palácio presidencial, em Caracas, da
qual resultaram ao menos 15
mortos e mais de cem feridos.
Você se sentiu informado pela
Folha a respeito desse "clima" de
crescente radicalismo ao longo
da semana? Certamente, não.
A crise recebeu no jornal apenas duas notas em pé de página
(uma na quarta, outra na quinta), afora registros nas reportagens sobre o preço do petróleo.
Na prática, com a atenção voltada quase exclusivamente para
o gravíssimo conflito israelo-palestino, o jornal deixou de lado,
subestimou o que acontecia ao
mesmo tempo a bem menos quilômetros daqui. Por isso, foi pego
de surpresa. É o que se pôde ver
em suas páginas.
Prudência
A Secretaria de Redação pensa
diferente, ainda que considere
"forçoso reconhecer que o enunciado da manchete de sexta, embora fiel aos fatos, não ficou à altura dos eventos do dia anterior
na Venezuela".
Mas isso não decorreu, na sua
visão, de uma "subavaliação": o
assunto foi manchete do jornal
("em três colunas porque, no dia,
metade da primeira página era
coberta por anúncio"); recebeu
uma página e meia do caderno
Mundo; "no final da tarde da
quinta-feira já havíamos decidido enviar o correspondente em
Washington para Caracas".
Prossegue a argumentação da
Secretaria, que tomo a liberdade
de resumir: "As informações
eram muito confusas e conflitantes... muitos desmentidos... era
preciso ser prudente... generais
diziam que haviam deposto
Chávez; o presidente da Assembléia e o secretário da Presidência negavam... até o fechamento
da edição não havia elementos
que permitissem afirmar que
Chávez havia sido deposto... só se
podia fazer alguma troca no jornal até pouco mais das 2h... até
as 2h15 da madrugada era impossível para qualquer órgão de
imprensa afirmar que Hugo
Chávez tinha sido deposto.... o
primeiro despacho de agência
internacional que afirmava isso
de forma categórica chegou às
2h18... todas a informações importantes estavam na primeira
página e destacadas, pelo menos,
na linha fina.... analisando em
retrospectiva, parece claro que
teria sido melhor alçar ao título
principal a declaração do general que relatou a queda de Chávez (naquele momento, negada
pelo governo) e colocar a informação sobre os protestos e as
mortes na sobrelinha. Seria a
maneira mais direta de transmitir ao leitor o mais provável desfecho da crise".
A Secretaria de Redação menciona ainda ao ombudsman, como "curiosidade", o fato de que o
"New York Times" deu um título
na mesma linha da Folha.
Cortina de fumaça
O que se questiona não é o tamanho do noticiário da sexta-feira, mas sim o seu conteúdo e o
(não) acompanhamento dos
eventos ao longo da semana.
Claro que as informações eram
confusas, conflitantes. Não tenho
dúvidas de que nos próprios jornais concorrentes, que souberam
avançar mais do que a Folha,
houve receio e hesitação.
Mas, atenção: notícias não
vêm prontas e mastigadas, tampouco têm hora para chegar,
ainda mais sobre eventos políticos complexos. Por isso, nunca
foi simples o ofício do jornalista.
É fácil se escorar na prudência.
Mas, se esta é indispensável, não
deve servir como cortina de fumaça para encobrir a ausência
de aplicação de outras ferramentas básicas do jornalismo: analisar com presteza os diversos dados e o histórico recente de um
país, cruzar versões, ponderar as
diferentes declarações, não burocraticamente, como se fossem
entes matemáticos, mas em razão da situação concreta (naquela noite, por exemplo, diante
das particularidades do regime
chavista e de tudo o que acontecera ao longo do dia, não parecia
lógico que as seguidas declarações de grupos importantes e
centrais de militares tivessem peso bem maior do que a de aliados civis isolados de Chávez?);
pesquisar com rapidez; ouvir especialistas a "quente".
E aqui não se trata do Afeganistão, mas de um país próximo,
sobre o qual a Folha já publicou,
em passado recente, várias entrevistas e reportagens.
(Registre-se que, conquanto
não tenha extraído daí a devida
consequência editorial, o jornal
publicou afirmação exclusiva de
um jornalista de Caracas que
apontava para a derrocada presidencial: "Parece claro que está
em desenvolvimento um golpe
militar".)
Essas tarefas não são para um
indivíduo, nem mesmo apenas
para uma seção isolada de um
jornal: implicam trabalho de
equipe, reciclagem, muita discussão, sensibilidade aguçada,
troca permanente de idéias. Eis o
coração do problema. Sem o cultivo desses hábitos, qualquer Redação de jornal tende a ficar com
os parafusos afrouxados, ou enferrujados.
A propósito disso, tão curioso
quanto a coincidência entre a linha da manchete da Folha e a
do "New York Times" é o desencontro interno expresso no fato
de que um texto colocado pela
Folha em seu site na internet à
1h11min da sexta-feira já tratava
Chávez como "ex-presidente".
Se se sentia insegura ou se não
conseguiu na hora reunir elementos suficientes -por conta, a
meu ver, de fragilidades que precisa enfrentar em vez de encobrir- para afirmar que Chávez
fora deposto, a Folha tinha a
obrigação, no mínimo, de realçar o anúncio de sua queda feito
pelos militares, numa manchete
de primeira página digna do
evento (mesmo com o encarte
publicitário destacável a encobri-la, como já ocorreu em outras oportunidades).
Mais do que prudência, houve,
creio, um claro erro de avaliação
-daqueles para se tirar lições, e
não esquecer.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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