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A imagem da guerra
Na quarta-feira os leitores voltaram a se manifestar, desta vez contra a
publicação de uma foto
do "New York Times"
em Mundo. A imagem,
que rasga a página A10
do alto até abaixo da dobra, mostra soldados dos
Estados Unidos que dominam uma calçada de
Fallujah, no Iraque, e
dois corpos de iraquianos mortos no chão.
É comum que leitores
reclamem quando o jornal publica imagens de
guerra. São sempre chocantes. Quase sempre a
publicação é justificada
pela denúncia das atrocidades. Mas às vezes parecem, pela repetição rotineira de cenas degradantes e extremamente violentas, desnecessárias e
redundantes.
Nesse caso específico a
imagem é de um impacto
muito forte porque um
dos mortos está em primeiríssimo plano, de
olhos abertos; e o outro tem a cabeça arrebentada e sangra.
Os leitores que escreveram ou
telefonaram chocados consideraram que Folha foi "sensacionalista" ao publicar a foto.
Marco Chaves é assinante do
jornal. Sua reação: "Nunca me
senti tão indignado ao ver fotos
de pessoas mortas como hoje.
Não creio que o jornal necessite
de algo deplorável como isso para vender e também não acredito
ser necessário receber esse tipo
de informação visual, que não
agrega nada e somente banaliza
a violência".
Doris Satie Fontes faz outro tipo de ponderação: "Já sabemos
que guerras são terríveis e absurdas. Neste caso, em particular, já
estamos cansados, inclusive, do
tema!". Outra leitora, e não obtive autorização para identificá-la,
argumenta: "Penso que a Folha
esteja com a intenção deliberada
de direcionar seus leitores contra
a invasão norte-americana do
Iraque, mas creio que há outras
formas mais polidas de tratar do
assunto, e logo pela manhã".
Memória visual
Levei essas questões e impressões para o editor de Fotografia
da Folha, Toni Pires. Sua resposta: "Realmente a foto é chocante,
e não é sempre que publicamos
esse tipo de imagem. Chegam até
nós diariamente muitas imagens
clichês da guerra. Essas, os leitores já decodificaram e não mais
se chocam. Em alguns momentos, vejo a necessidade de mostrar os fatos "mais de dentro". Os
últimos acontecimentos no Iraque são a demonstração de atos
bárbaros praticados por ambos
os lados envolvidos. As poucas
imagens diferentes que recebemos nos mostram um cenário de
horror. Acredito que, por mais
inquietante e doloroso que seja
para o leitor, é nosso papel mostrar algo mais. Não com o objetivo simplista de uma certa estética do horror. Mas com o compromisso de levar até o leitor um
pouco mais do que o simples comentário ilustrativo. São fotografias que devem ser lidas e entendidas como a memória visual de nossa época. Não acho que
devamos sair publicando esse tipo de imagem
todos os dias, mas vejo
importância de, em determinados momentos,
enfrentarmos o desagrado e o incômodo. O
que mostramos é nada
perto do que está acontecendo. Afinal, 600 iraquianos já foram mortos em Fallujah, segundo os EUA, em apenas
quatro dias de combates".
O assunto é antigo e já
foi discutido por outros
ombudsmans. Como
conciliar o respeito à
sensibilidade dos leitores com a responsabilidade de revelar os horrores de guerras e atentados? É difícil, e não há
uma fórmula que oriente a decisão do editor.
Alguns jornais se guiam
pelo que os americanos
chamam, de brincadeira, do teste do café da manhã. Qual será a
reação do leitor no desjejum?
Mas esse não pode ser o único
critério.
Em março, os iraquianos, nessa mesma Fallujah, queimaram,
arrastaram pelas ruas e penduraram em uma ponte sobre o rio
Eufrates os corpos de quatro
americanos. Era o início da insurreição na cidade, que depois
seria completamente dominada
pelos iraquianos, e as fotos eram
um documento chocante da barbárie.
A imagem de quarta-feira dos
iraquianos mortos e abandonados não tem o mesmo peso porque eram soldados anônimos
-mais dois. Mas é igualmente
um atestado da mesma estupidez.
O jornal poderia ter escolhido
uma foto menos explícita? Poderia ter dado sem tanto destaque?
Poderia. Mas, ao publicar, avalio,
erra menos pelo excesso do que
erraria pela omissão.
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