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OMBUDSMAN
Sem investigação
BERNARDO AJZENBERG
Além de ter um extraordinário potencial explosivo
na política, a retomada do chamado "caso Santo André" (sequestro e morte do prefeito Celso
Daniel) suscita, para o jornalismo, uma importante reflexão.
Remonto ao caso de PC Farias,
tesoureiro de campanha e homem de absoluta confiança do
ex-presidente Fernando Collor.
Como se recorda, PC foi achado morto numa casa de veraneio
em 1996. Conclusão oficial: ele
foi assassinado pela namorada,
a qual, em seguida, cometeu suicídio. E ficou por isso mesmo.
Entre março e maio de 1999,
após meses de investigação jornalística, a Folha publicou uma
série de reportagens, com documentos e fotos inéditas, que derrubou a versão oficial e forçou
uma reabertura das apurações.
Ela resultou de um esforço deliberado e paciente do jornal, na
contramão do "consenso" formado sobre a morte de PC.
Voltando a Santo André...
Desde o assassinato de Daniel,
em janeiro de 2002, até abril daquele ano, o assunto se manteve
na pauta quase cotidianamente.
O empresário Sérgio Gomes da
Silva -hoje considerado réu sob
a acusação de ser mandante do
sequestro e do assassinato do
prefeito em denúncia da Promotoria acolhida pela Justiça- foi
de imediato, mesmo sem provas,
massacrado pela mídia como
um todo, com raras exceções.
Encerrado o inquérito da Polícia Civil - que concluiu tratar-se de um crime comum- e feita
pelo Ministério Público, com base nele, uma denúncia contra
seis pessoas que formariam uma
quadrilha reunida em torno da
favela Pantanal, o "interesse"
pelo crime em si arrefeceu.
Ganhou visibilidade, então, o
outro lado do caso: um suposto
esquema de propina na prefeitura de Santo André que, além de
enriquecer pessoas ilicitamente
(Silva dentre elas), drenaria recursos para campanhas do PT.
Em julho de 2002, porém, após
o Supremo Tribunal Federal rejeitar uma representação do Ministério Público contra o então
presidente do partido, José Dirceu, também esse lado declinou
-ao menos para a imprensa-,
ressurgindo apenas brevemente
meses depois, pouco antes da
eleição presidencial, quando
promotores denunciaram Silva,
mais cinco pessoas, no caso das
supostas propinas. Lula eleito,
tudo praticamente desapareceu.
Ímpeto
Jornalista não é policial, promotor, fiscal nem juiz. O exemplo do caso de PC Farias deixa
claro, no entanto, que, com seus
próprios meios, dentro de seus limites de atuação, a imprensa
pode abrir o caminho para elucidar interrogações que, se não ficam expostas necessariamente
nos autos formais, permanecem
na cabeça de muita gente.
Pois foi justamente esse ímpeto
investigativo que faltou ao jornalismo no caso Santo André.
Tivesse a Folha reproduzido
aqui o investimento de tempo e
pessoal aplicado no exemplo de
PC, o jornal e seus leitores no mínimo não teriam sido pegos de
surpresa, como ocorreu, com a
nova denúncia da Promotoria.
O ressurgimento do caso
-quanto ao assassinato de Daniel- se deu nas edições de 26/11
do "Globo" e do "Estado de
S.Paulo". Ambos noticiaram que
Silva fora interrogado no dia anterior pelo Ministério Público,
sendo pela primeira vez considerado suspeito de participar diretamente do crime.
Nos dias seguintes, novas informações em jornais e revistas.
Na Folha, nada: à surpresa, parece, seguiu-se uma letargia. O
jornal só veio a registrar a retomada na edição do último dia 2.
Desde então, além de noticiar
novos fatos e entrevistar pessoas
neles envolvidas, vem disputando com a concorrência a primazia na revelação de detalhes
apurados pela Promotoria -algo semelhante ao que ocorre
com relação à Operação Anaconda (em cuja "pré-história",
cabe registrar, estão reportagens
investigativas exemplares da Folha, também de 99, sobre sinais
de enriquecimento ilícito de desembargadores paulistas).
Isso tudo é indispensável e exige muito trabalho, claro, mas
ainda parece menos do que deve
almejar um jornalismo cuja pretensão consiste em atuar, não a
reboque, mas de modo independente, paralelo às instituições
oficiais (como a Polícia Federal
ou a Promotoria).
Justamente do terreno dessas
investigações próprias, acredito,
é que pode brotar a real diferença entre os jornais.
Não está em jogo, aqui, a competência individual. Apurar casos de corrupção é tarefa difícil,
demorada, complexa, e a Folha
deslocou nas últimas semanas,
para os casos Anaconda e Santo
André, alguns de seus melhores e
mais experientes repórteres.
O problema é outro, reincidente: quando um evento está sob os
holofotes, a imprensa mergulha
nele com tudo, envia para o cenário os quadros mais brilhantes, para em seguida, silenciosamente, abandoná-lo. Assim foi
com o caso Santo André, o qual,
no entanto, continuou a prosperar, "esquecido", na sombra.
Gomes da Silva pode ser inocente ou não. O esquema de propinas e sua vinculação com o PT
podem existir ou não. Cabe à
Justiça decidir.
Mas uma coisa é certa: será um
retrocesso, para a imprensa, continuar apenas a reboque, sem manejar,
a partir de sua própria iniciativa, os instrumentos investigativos de que dispõe.
É esse o maior desafio que a reviravolta do caso Santo André
-mérito da Promotoria, acionada pela família de Daniel-
recoloca para o jornalismo.
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