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OMBUDSMAN
Governos e jornalistas
MARCELO BERABA
Era para ser uma semana de
louros para o governo Lula.
Todos os indicadores econômicos e eleitorais foram favoráveis.
Inflação sob controle, produção
industrial em alta, recordes na
exportação, Marta Suplicy e vários candidatos petistas bem posicionados para as eleições municipais. Reflexo das boas novas
na economia, a avaliação da administração, que vinha em queda, melhorou.
Era para ser uma semana de
celebrações, mas o governo não
teve tempo de levantar a cabeça
da trincheira.
O tiroteio, que havia começado uma semana antes com as denúncias contra os presidentes do
Banco Central e do Banco do
Brasil, prosseguiu com o embate
com a oposição dentro da CPI do
Banestado e com a reação forte,
nos meios de comunicação, a
duas propostas encampadas pelo Planalto: a criação da Agência
Nacional do Cinema e a do Audiovisual e do Conselho Federal
de Jornalismo (CFJ).
Na quarta-feira, nova proposta polêmica entrou na linha de
tiro: o governo quer proibir que
funcionários públicos responsáveis por investigações passem informações para a imprensa.
Não pretendo analisar, hoje, a
política de informação do governo, embora esse conjunto de iniciativas e várias declarações de
ministros indiquem uma tendência a restringir a ação da imprensa e a "discipliná-la".
Vou me ater à proposta do
Conselho de Jornalismo, elaborada e aprovada pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), modificada pela Casa Civil
da Presidência da República e
encaminhada na quinta-feira,
dia 5, ao Congresso, pelo ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, em nome do presidente Lula.
Bombardeio
Em primeiro lugar, deve ser dito que a proposta foi bombardeada na imprensa, inclusive
nesta Folha. O noticiário foi predominantemente contrário ao
projeto de lei que cria o conselho.
A Folha foi quem deu mais
destaque à iniciativa e associou-a imediatamente a uma tentativa do governo de controle da imprensa. O jornal lembrou que a
proposta se inseria num contexto de "dificuldades de relacionamento entre o governo Lula e a
imprensa", o que não está de todo errado. Mas, ao carimbá-lo
como chapa-branca, o jornal
omitiu uma informação relevante: o texto tinha sido gerado
nos sindicatos profissionais.
Levantamento que fiz até sexta-feira mostra que há uma aparente busca de imparcialidade
do jornal: contei, ao longo da semana, 15 opiniões favoráveis ao
CFJ dentro das reportagens publicadas e 14 contrárias. Mas é
um equilíbrio apenas numérico,
porque as opiniões desfavoráveis
tiveram mais destaque ao longo
da semana e foram repetidas diversas vezes. No mesmo período,
foram publicados seis artigos de
opinião, apenas um de apoio ao
conselho, assinado por Ricardo
Kotscho, secretário de Imprensa
e Divulgação da Presidência.
O jornal publicou um editorial
condenando o CFJ já no domingo ("A mão sinistra"). Foram
editadas 12 cartas de leitores sobre o assunto: cinco a favor do
conselho e sete contra.
Esse desequilíbrio não permitiu que a proposta fosse debatida
com mais profundidade.
O pecado original
Agora, o projeto.
Segundo a Fenaj, não havia
outro caminho para apresentar
o projeto se não por intermédio
da Presidência da República,
porque a criação de autarquias é
atribuição do Executivo. Mas, o
fato de o governo ter assumido o
projeto como seu tornou-o patrono e mexeu em um dos pressupostos sagrados do jornalismo,
que é a independência em relação aos poderes públicos.
Ao buscar o apoio oficial do
governo petista, e ao permitir
que o projeto fosse por ele modificado, apresentado e defendido,
a Fenaj cometeu um erro tático
que pode ter resultado num erro
estratégico. E legitimou a cantilena de pitos que os ministros e o
presidente se acostumaram a
passar nos repórteres.
A Fenaj tinha outros caminhos
para apresentar esse projeto sem
que fosse necessário associá-lo
ao governo? É possível que sim.
Nenhum deles garantiria uma
tramitação sem contestações.
Mas o caminho que escolheu
partidarizou a discussão e a contaminou. O debate deixou de ser
sobre os pontos do conselho para
se fixar nas intenções do governo
petista.
Controle público
De qualquer modo, teve o mérito de abrir uma discussão importante na sociedade e entre os
jornalistas.
Sou contra o projeto porque ele
vem associado ao governo; porque tem como principal preocupação punir os jornalistas que
estão na linha de frente das redações; porque, para o tipo de
punição que pretende impingir,
a sociedade já tem instrumentos
e os utiliza rotineiramente. E
porque ignora as contradições
que se estabeleceram no seio da
profissão.
Um exemplo dessas contradições está nesta semana nos jornais. Na quarta-feira, o governo
anunciou que pretende baixar
um decreto regulamentando o
Código de Ética Profissional do
Servidor Público Civil do Poder
Executivo Federal. O objetivo
declarado é impedir que funcionários dêem informações para a
imprensa. Um jornalista que
trabalha para o governo federal
estará sujeito ao código dos servidores ou ao código do CFJ?
Aliás, qual será o código de ética do CFJ? É o que já existe, o da
Fenaj, ou um novo, a ser criado?
Por quem? E os assessores de imprensa de empresas privadas, a
que código responderão?
Estão todos, jornalistas e assessores, na mesma profissão, mas
temos ofícios distintos e, se os
dois lados os praticam com honestidade, conflitantes. Como serão julgados?
O debate está aberto e interessa ao leitor porque diz respeito
ao direito de informação. Esse
projeto é uma tentativa de pensar uma profissão cada vez mais
enfraquecida num ambiente de
comunicação cada vez mais
complexo e fora de controle.
É uma ilusão as empresas jornalísticas e os jornalistas imaginarem que as pressões sobre a
imprensa vêm apenas dos governos. Há um movimento cada vez
maior na sociedade por informação de qualidade, por pluralidade de enfoques, idéias e opiniões, por equilíbrio nas coberturas jornalísticas. E essa demanda não está sendo atendida.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
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