São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

Texto Anterior | Índice

O lixo em dois capítulos

Em junho, a Folha disse o seguinte sobre o recolhimento de lixo na cidade de São Paulo:
"Atualmente, apenas 1% é reciclado. A prefeitura pretende aumentar esse número para 20% no segundo semestre, com a construção de novos centros de reciclagem e a melhora do sistema de coleta seletiva".
A previsão constou de reportagem do Folhateen a propósito do Dia Mundial do Meio Ambiente.
Duas semanas depois, foi a vez de o caderno Equilíbrio demonstrar entusiasmo com o plano municipal:
"A prefeitura promete um avanço no sistema de coleta seletiva". Isso "depende somente do término do processo de licitação para a contratação das empresas de limpeza pública".
"Hoje são recolhidas 130 toneladas por mês de material reciclável. Com o novo projeto, a estimativa é de 350 toneladas por dia, cerca de 20% do total de lixo da cidade".
Decorridos quatro meses, o jornal voltou ao assunto para informar que a promessa resultou em um programa "que prevê a mistura de materiais orgânicos e inorgânicos, secos e molhados, dentro dos caminhões compactadores".
Conclusão da capa de Cotidiano de segunda-feira passada: "especialistas consultados pela Folha foram unânimes em considerar a medida inócua, mais uma peça de marketing de fim de governo".
Sobre o avanço esperado: "a estimativa é que, se o projeto der certo, o índice (de lixo reciclado) aumente, em um primeiro momento, para 2%".
Sobre o processo de contratação de empresas: "a prefeitura tenta desde 1998 fazer uma licitação para varrição e coleta do lixo. Em razão de irregularidades, o edital foi anulado em agosto".
Duas coisas a observar no contraste entre o otimismo de junho e a condenação de outubro.
A primeira é a facilidade com que se joga fora a regra do "Manual" que manda noticiar projetos oficiais "sempre com senso crítico".
"Nunca dê como certo que o plano vai se realizar", ensina o livro que orienta o trabalho da Redação. O jornal faz o contrário ao omitir qualquer informação que demonstre a inviabilidade da promessa.
E olhe que a prefeitura em questão é a de Celso Pitta. Nada do que se sabe sobre ela hoje era desconhecido em junho.
A segunda coisa a observar é que o distanciamento ausente das duas primeiras matérias também faltou, com sinal invertido, à mais recente.
"Pitta põe a mão no lixo para criar factóide", disse o título de segunda-feira. Apesar da má impressão imediata, ainda pensei, ao bater os olhos no enunciado, que o "põe a mão no lixo" pudesse se referir a algum evento em que o prefeito fosse participar da coleta diante das câmeras.
Nada disso. Apenas brincadeira de mau gosto, do tipo que o jornal só se atreve a fazer com quem não conta nem representa mais nada. Grosseria não é crítica, nem é vista pelo leitor como gesto de coragem.


Texto Anterior: Notícia pela metade
Índice


Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Renata Lo Prete/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.