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OMBUDSMAN
O petróleo sumiu
BERNARDO AJZENBERG
É comum receber queixas de
leitores contra o que eles chamam de negativismo ou pessimismo da imprensa, especialmente da Folha. Para muitos, é
como se ao jornal só interessassem os fatos ruins. Queremos
também os positivos, reclamam.
Pois os jornais de quarta-feira
passada deram uma notícia boa,
com grande destaque -e o problema, aqui, foi que ela, na verdade, não era tão boa assim.
Trata-se do anúncio feito pela
Agência Nacional do Petróleo
(ANP) da descoberta de um
campo de óleo da Petrobras em
Sergipe que seria o maior encontrado pela estatal desde 1996.
Segundo divulgou a imprensa
naquele dia, esse poço conteria
uma reserva estimada em 1,9 bilhão de barris, o que significa
14,5% do total de reservas de petróleo do país.
Mais: o óleo ali achado seria de
altíssima qualidade, no patamar
dos melhores do Oriente Médio.
Uma informação mais do que
alvissareira no momento em que
o mundo se municia para uma
guerra dos EUA contra o Iraque
e no qual -em escala evidentemente menor- a própria ANP
prepara, para agosto, nova rodada de licitações para empresas
interessadas em explorar petróleo no país.
Não por acaso, ainda na terça-feira, as ações da Petrobras dispararam, com alta que fechou
em torno de 4%, mas que atingiu, a certa altura, 6,5%.
Engodo
Como mostra o quadro ao lado, foi heterogênea a forma como os jornais noticiaram a descoberta.
O "Estado de S.Paulo" dedicou
o maior espaço. Seguiram-se
"Globo" e Folha. O "Jornal do
Brasil" não deu chamada na capa, apenas reportagem interna.
A "Gazeta Mercantil" chamou
discretamente na capa e deu,
dentro, um texto pequeno. No
"Valor", só uma notinha.
Embora a maioria -alguns,
como a Folha, em edições mais
tardias- ressalvasse no mesmo
dia que a Petrobras não confirmava todos os dados da ANP, o
"barulho" foi grande.
Ao final, como se esclareceu
depois, a descoberta não fora nada daquilo. Para usar a palavra
certa: tratou-se de um engodo.
A Petrobras emitiu nota segundo a qual nem sequer de reservas se poderia falar. Estas, na
melhor hipótese e após estudos
ainda em curso, chegariam a 370
milhões de barris -o que significa um campo médio, não um
gigante, como anunciado. Culpou a ANP pela "confusão" e pela precipitação.
A agência replicou que não
mencionara a palavra "reserva"
na nota divulgada sobre o assunto, mas apenas falara em "estimativa preliminar do volume
potencial descoberto". Na sua visão, houve um "mal-entendido".
Discutiu-se, ainda, até que
ponto a ANP tem o direito (ou o
dever) de divulgar amplamente,
antes da própria Petrobras, a
descoberta de algum poço.
Falhas
Independentemente do embate Petrobras-ANP (sobre o qual
falarei mais adiante), pelo menos duas falhas jornalísticas parecem claras por trás da "confusão", do "mal-entendido" e da
grande notícia que não houve.
Usou-se, na mídia, a palavra
"reservas" de modo equivocado,
fruto, provavelmente, de inexperiência e desconhecimento técnico. Uma coisa, conforme creio
ter aprendido também na semana, é o volume potencial total de
óleo estimado num poço; outra
coisa é o quanto desse óleo tem
condições efetivas de ser extraído (as "reservas").
Além disso, na ânsia de obter
alguma notícia favorável numa
conjuntura adversa como a
atual, acabou-se divulgando
com alarde indevido, e sem a devida "desconfiança jornalística",
a existência de algo que, na verdade, inexistia.
Ter um pé atrás, conforme diz
uma das regras básicas do jornalismo, vale também para notícia
boa proveniente de instituição
supostamente neutra.
O governo federal usou o episódio (que indicaria possível escorregão da ANP) para incrementar o debate sobre o papel
das agências reguladoras, criadas na "era FHC" com as privatizações, desde 1995, para administrar autonomamente setores
como energia elétrica (Aneel),
telecomunicações (Anatel) ou
saúde complementar (ANS).
O Planalto quer mudanças
nessa área, e uma reunião interministerial sobre o tema, antes
agendada para a semana passada, ficou para os próximos dias.
Na última quarta, a mídia divulgou pesquisa do Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor sobre o desempenho de sete agências e órgãos públicos
(nota média: 4,2).
Colunistas têm abordado alternativas. Houve editoriais.
Nesse aquecimento recente da
polêmica, porém, os principais
jornais não publicaram (até
quando escrevo esta coluna, na
madrugada de sábado) materiais claros e didáticos sobre o
que são e como funcionam as
agências, quais as idéias em debate sobre o seu destino e o que
implica na prática a adoção de
uma ou outra.
Eis um erro. Pois, para além
dos posicionamentos de princípio, ideológicos ou filosóficos, é
dever do jornal dar ao leitor
(consumidor dos serviços públicos que as agências gerenciam) a
chance de não assistir atônito a
um confronto cuja solução tem
tudo a ver, diretamente, com a
sua vida e com o seu bolso.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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