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OMBUDSMAN
Primeiro tempo
BERNARDO AJZENBERG
No dia 26 de maio, o caderno
Esporte publicou um texto
chamado "Saiba por que ler a
Folha durante a Copa". Resumia-se, ali, o que o leitor deveria
esperar do jornal no Mundial
2002:
"...novo projeto gráfico, impactante, profundo, mas ao mesmo
tempo claro, organizado, para
que o leitor enfrente com prazer o
emaranhado da competição".
Mais adiante, outro compromisso: "Como de hábito, o leitor
não deve esperar sinal de adesismo à seleção brasileira. Não deve
esperar críticas desmedidas ou
infundadas. Deve esperar sim um
jornalismo crítico, fundamentado e distante de interesses alheios
a sua função, a de informar".
À luz dessa "carta de intenções", cabe um balanço parcial,
passado o "primeiro tempo" do
torneio.
O primeiro desafio foi o do fuso
horário de 12 horas, que em nada
facilita a vida dos jornais: seria
"fatal" embaralhar ontem com
hoje, amanhã com anteontem.
Manter o caderno atraente e útil
nessas condições implicava, além
de um time competente de colunistas, recursos diferenciados,
ainda mais diante da concorrência da TV, rádio e internet.
O resultado tem sido bom para
a Folha, e o pequeno número de
reclamações de leitores reflete esse quadro de aceitação.
Nem tudo deu certo, porém, e
vale a pena pensar em alguns
desses aspectos -sem deixar de
considerar, também, que, como é
natural em coberturas prolongadas, acertos se fazem (e foram feitos) ao longo dos dias.
Notícia
Há que se registrar a ausência,
até aqui, de furos significativos
em todos os jornais. Se um merece algum destaque, foi do "Jornal
da Tarde", que adiantou em 29
de maio que Juninho seria titular
na estréia do Brasil (dia 3).
A Folha também derrapou no
tratamento dado às descrições de
lances de jogo decisivos. Ao contar como foi o segundo gol de Coréia 2 x 0 Polônia, dia 5, por
exemplo, assinalou-se apenas
que "Sang-chul Yoo chutou no
canto esquerdo de Dudek".
Quem acompanha futebol quer
mais: o chute foi de fora da área?
Bola rasteira?
Na última quarta-feira, escreveu-se que o senegalês Fadiga cobrou um pênalti "com perfeição"
(o que quer dizer isso? Onde a bola entrou?). São detalhes que interessam ao leitor, o qual, devido
aos horários, vê, se muito, apenas
os jogos mais empolgantes.
Mencionei também em crítica
interna casos em que a apresentação de jogos trazia estatísticas e
dados históricos sobre as equipes,
mas quase nada sobre o futebol
propriamente dito (táticas, opções de jogada, deficiências).
Ainda no quesito notícia, o jornal perdeu a oportunidade de se
diferenciar e efetivamente informar mais, ao aderir de modo
unilateral ao "festejo" da imprensa quanto ao erro do juiz
que marcou o pênalti para o Brasil no primeiro jogo.
Mais jornalístico, ali, teria sido
mostrar de imediato também o
outro lado, quer dizer, argumentações que sustentassem, ao menos em tese, a decisão do árbitro.
Eu mesmo escutei algumas delas,
por parte de comentaristas, numa estação de rádio, no mesmo
dia do jogo. O jornal deu a versão
do árbitro, corretamente, mas isso só ocorreu na edição do dia 5.
Nesse mesmo sentido, achei
inadequado, para a Folha, tendo
em conta o objetivo de "informar", a comemoração explícita,
típica de torcedor apaixonado,
das desclassificações da Argentina e da França. Uma coisa é registrar a folia vingativa de torcedores, outra é o jornal incorporar
o ufanismo camuflado, mesmo
que seja sob a forma de pequenas
brincadeiras inocentes. A página
D2 do caderno foi o espaço privilegiado para essa espécie de "editorialização".
O jornal levantou na terça (11)
e depois abandonou um caso curioso: o incidente entre um fotógrafo e atletas brasileiros numa
boate em Seogwipo (Coréia do
Sul), irritados com o fato de o jornalista ter feito imagens de sua
"privacidade". Ronaldo chegou a
lhe tomar a máquina fotográfica.
Falou-se na suposta existência
de um "trato" entre CBF e imprensa para poupar os atletas de
flagrantes, registrou-se em nota
dia 12 o sumiço do jornalista e ficou-se por aí, com uma reticência
sobrando, inclusive sobre uma
eventual participação da Folha
no esquisito suposto "trato".
Projeto gráfico
Melhores são a inquietação e a
ousadia (com os seus riscos inerentes) do que o marasmo e a letargia. Ponto pacífico.
Como já havia acontecido na
Copa de 98 na França, o caderno
"Copa 2002" tem um visual específico, leve, inovadoramente
agressivo. Os títulos buscam descontração, humor. As fotos ocupam espaço generoso.
Uma marca do caderno são os
traços vermelhos "à mão" (como
o que é usado, em azul, no quadro desta coluna). Como todo
bom recurso iconográfico, porém,
seu uso requer cautela e parcimônia, seja para não se banalizar,
seja para não prejudicar, eventualmente, o essencial (a informação) em nome da "estética".
Um leitor se queixou, por
exemplo, na edição do dia 4, que
os dizeres em vermelho "Valeu
Kim!" (referente ao juiz que apitou a estréia brasileira) encobriam nomes de times e horários
de jogos de uma tabela. Falhas
desse tipo, deve-se deixar claro,
desapareceram nas edições dos
dias seguintes.
Mas o projeto gráfico encontrou um outro obstáculo, mais
resistente, ao menos nesse "primeiro tempo" do torneio: a carência de cores nas páginas do
jornal.
Como mostra a tabela no quadro à esquerda, do total de páginas publicadas sobre a Copa entre os dias 3 e 14 de junho, apenas
62% foram coloridas, enquanto o
"Estado de S.Paulo", por exemplo, atingiu 98%.
A média da Folha, semelhante
à da Copa de 98 (63%), parece
expressar uma limitação estrutural. De acordo com a Secretaria
de Redação, "o parque industrial
da Folha, segundo a diretoria industrial, tem uma capacidade de
impressão em cores que varia de
acordo com o tamanho total do
jornal. Para comparar a quantidade de cores dos dois jornais
(Folha e "Estado", no caso), é preciso analisar não apenas um caderno, mas todo o jornal".
É lamentável que uma solução
para isso não tenha sido encontrada até agora numa cobertura
que ocorre a cada quatro e previsíveis anos e cujo planejamento
começou a ser feito desde o ano
passado. Ainda há tempo?
Não deixa de ser irônico que esta coluna, tratando hoje do assunto, inclusive no quadro acima, esteja também afetada pela
precariedade das cores.
Estatística e humor
Com o suporte do Datafolha, o
jornal continua campeão em estatísticas, elemento objetivo para
a apreciação de jogadores e times, característico da Folha.
Pecou em alguns casos, porém,
pela falta de clareza quanto ao
que os números significavam
-falha essa também depois corrigida pela editoria.
Quanto às pitadas de humor
-inerentes ao projeto do "Copa
2002"-, elas, infelizmente, não
se limitaram ao caderno.
A página de editoriais deu sua
contribuição (involuntária) no
dia 4, com o professoral texto
"Dois lances", sobre a performance brasileira na estréia.
Embora discorde da idéia de
que o jornal como instituição se
deixe travestir de comentarista
de jogos de futebol (pela inevitável carga de subjetividade que essa interpretação implica), reconheço que não é atribuição do
ombudsman discutir o mérito
dos editoriais da Folha.
Mas este foi excepcional, e a citação de um pequeno trecho explicita o que quero destacar:
"O zagueiro Lúcio, após interceptar cruzamento do adversário, fez passe arriscado para Juninho, cercado por marcadores turcos. O meio-campista perdeu a
bola, que foi em seguida lançada
no costado da zaga verde-amarela, propiciando ao atacante turco
um arremate livre de marcação...".
Nos anos 40 ou 50, o trecho talvez passasse batido. Em pleno século 21, porém, é antológico.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
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