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OMBUDSMAN
11 de setembro - 1
BERNARDO AJZENBERG
Os acontecimentos de 11
de setembro representam
um marco histórico extraordinário, sem paralelo. Compará-lo
a outros (a queda do Muro de
Berlim, por exemplo) parece ser
pouco e precipitado. Impossível
prever suas consequências, mas
ninguém duvida que elas serão
muitas e abrangentes.
"Estamos numa época em que
já não se distinguia o real do virtual. Infelizmente foi preciso
acontecer algo assim, que atingisse o centro, e não a periferia,
para nos darmos conta de que o
real existe. Agora entramos efetivamente no terceiro milênio."
A declaração, dada à Folha
pelo ensaísta português Eduardo
Lourenço, expressa o que está
em jogo desde a última terça-feira e, com clareza, lança à imprensa, nesse novo momento,
mais de um desafio. Pois não é o
"real" o objeto do jornalismo?
No mundo todo, uma geração
de editores, repórteres, redatores
e fotógrafos foi posta à prova nos
últimos dias. E o teste, a rigor,
apenas começou.
Papel e poder
Primeira constatação da semana: em plena era de florescimento de novos meios, o jornalismo impresso tem, sim, um
grande papel a desempenhar.
Milhões de pessoas acompanharam as cenas espetaculares
pela televisão ou pelo rádio. Outro tanto o fez pela internet. Mas
nenhuma dessas alternativas,
atadas, por sua natureza, ao roteiro superficial e imediato dos
fatos, pôde aglomerá-los e organizá-los simultaneamente de
modo seletivo e aprofundado, retrospectivo e prospectivo -algo
que aconteceu nos jornais.
E cabe registrar que a Folha
ocupou lugar de destaque, em
que pesem essa ou aquela falha.
Em especial nos EUA, por razões óbvias, a imprensa demonstrou, também, o peso político gigantesco que tem.
Basta ver o impacto na atuação de George W. Bush do editorial de quinta-feira do "New
York Times", cobrando do presidente ação e liderança.
Que outro meio de comunicação teria hoje essa capacidade de
influenciar em momento tão delicado e decisivo?
É inegável que, até o momento,
nesses recentes episódios, os diários impressos funcionaram como "âncoras de referência geral". Feito a ser ainda mais ressaltado no caso da Folha, por se
tratar de um órgão de imprensa
da periferia do mundo.
"Operações de guerra"
Segunda constatação: houve
uma mobilização inédita.
Na Folha, por exemplo, cerca
de 200 jornalistas se organizaram, na terça, para elaborar
uma edição com 37 páginas.
A agência "Reuters" acionou
mais de 300 profissionais em
Washington e Nova York; a
"France Presse", mais de 100.
"Operações de guerra" foram
montadas, a rigor, conforme
suas proporções, em todos os
principais jornais, aqui e lá fora,
inclusive, em muitos casos, para
edições extras.
Em artigo na quinta-feira no
"Chicago Tribune" sob o título
"Um dia de trabalho durante
um dia do mais puro terror",
Don Wycliff descreve o esforço
da redação daquele jornal para
produzir, num só dia, duas edições extraordinárias, além de
preparar a do dia seguinte.
Em ocorrências como as de terça-feira, conta Wycliff, enquanto
a maioria troca os escritórios pelas casas, "os jornalistas, como os
policiais e os bombeiros, deixam
suas casas para ir ao trabalho".
O "Washington Post" trouxe
51 páginas sobre a tragédia; o
"New York Times", 33; o "Los
Angeles Times", 40. O "Le Monde", diário francês contido, publicou 19; o espanhol "El País",
28 (tablóide); o "Público", de
Portugal, 25 (tablóide). São alguns exemplos.
Notícia e lucro
Diante da indiferenciação gerada pela abundância de informações de agências, um dos fatores mais importantes a conferir sucesso às edições da Folha
desde a quarta-feira -eis outra
constatação- foram as análises
e entrevistas com especialistas,
num esforço evidente de reflexão. Além disso, as reportagens
de seus correspondentes e os depoimentos de pessoas que vivenciaram o pânico.
Tudo isso compôs um diferencial e seria impossível sem um
olhar próprio.
A esse respeito, e já que se fala
de EUA, vale lembrar declaração
feita em 1992 pelo "publisher" do
"New York Times", Arthur Ochs
Sulzberger Jr., segundo a qual,
apesar da recessão que reduzia a
receita dos jornais com publicidade, o jornal não iria cortar
despesas com a cobertura de notícias nacionais e internacionais.
Seu raciocínio era outro, relata
Gay Talese no livro "O Reino e o
Poder": "Se você tem informações de qualidade, os lucros virão". É uma lição -reiterada
nesta semana- para quem olha
jornais como "business" e não
como órgãos de informação e de
pertinência social.
Há, no entanto, um aspecto do
qual a imprensa padeceu desde o
dia 11: a ausência de imagens
cruas. Por exemplo, do drama
dos feridos nos hospitais ou de
como está sendo organizada a
disposição dos corpos para reconhecimento.
Com efeito, depois do espetáculo grandioso das explosões e
do desmoronamento das torres
gêmeas, o que se viu foram escombros, ação dos bombeiros,
gente a chorar, o presidente dos
EUA e sua equipe, bandeiras
americanas se espalhando.
Como se um pacto houvesse
entre governo e mídia para não
exibir o mais doloroso.
A foto mais "pesada" foi a do
homem que se atirava de uma
das torres atingidas (o "NYT" a
publicou, por exemplo, em sua
página A7, em três colunas). As
TVs não têm colocado no ar o
som dos gritos desesperados.
Ora, teria o Holocausto se infiltrado de modo tão contundente
na consciência dos homens não
fossem as imagens -"pesadas"- dele difundidas? Quais
serão as imagens humanas reais
do terrorismo do século 21, além
das dos atentados, que chegam a
confundir real com virtual?
É cedo para afirmar a existência de tal acordo, ao menos
quanto aos jornais impressos.
Bernd Debusmann, editor da
"Reuters" que comandou a cobertura da agência a partir de
Nova York, disse na sexta ao
ombudsman por telefone que, se
há poucas fotos das vítimas, é
porque a polícia não permite o
acesso. "Não há pacto nem autocensura", afirma. Portanto, enfrentam-se restrições, sim, ao
trabalho dos jornalistas.
Debusmann menciona, como
contraponto, a oportunidade
que a "Reuters" teve, por exemplo, de fazer as fotos da morte do
jovem Carlo Giuliani, em Gênova (Itália), dia 20 de julho, durante protesto contra a reunião
do G-8. "Se pudéssemos, faríamos igual aqui", conclui.
Já os representantes das agências "France Presse" e "Associated Press" com quem falei seguem política diferente, de não
fazer ou reproduzir fotos chocantes de mortos ou feridos.
Liberdade e altivez
A falta de imagens, tal como se
dá, remete a outra questão: a liberdade de atuação e de publicação da imprensa.
Reportagem ontem na Folha
mostrava que "as autoridades
de Nova York impuseram controles rígidos sobre as informações à disposição da imprensa".
De fato, um subproduto da nova situação que mais se teme, em
face da onda de "união nacional" e patriotismo que se formou
nos últimos dias, é justamente a
idéia de que, em nome do combate ao terrorismo, vale a pena
abrir mão de certos direitos e
conquistas.
"Estamos num novo mundo,
no qual temos de rebalancear liberdade e segurança", declarou
ao "Washington Post" o líder democrata Richard Gephardt.
Aí reside mais um perigo, um
desafio para a imprensa -nos
EUA e, por consequência, nas
suas "adjacências"- a partir de
11 de setembro.
Entre alguns erros cometidos
na semana, o mais grave foi considerar a exaltação dos atos terroristas por grupos de palestinos
localizados como se fosse do conjunto das populações árabes.
Em seu texto de primeira página, na edição do dia 12, a formulação da Folha foi infeliz: "Em
países árabes, a população saiu
às ruas para comemorar".
É preciso ir devagar. Quaisquer que sejam as dimensões daquilo que virá -a "nova guerra
americana"-, nada será fácil
para os jornalistas. Haverá bloqueios, golpes em sua altivez,
censura, patrulhamento.
O episódio 2 da "nova situação" está só no início.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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