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OMBUDSMAN
Caixas-pretas
BERNARDO AJZENBERG
A Folha brindou seus leitores com quatro sabatinas a
que aceitaram se submeter na
semana passada os principais
candidatos ao Planalto.
Foi o último lote de entrevistas
com eles antes do início da propaganda eleitoral gratuita.
Numa iniciativa inédita, também leitores puderam lhes dirigir perguntas, e as regras, mínimas e básicas, garantiam ampla
liberdade para entrevistados e
entrevistadores.
Com poucas exceções, rádio,
TV, internet e jornais cobriram
os eventos. Muita curiosidade
existiu em torno deles.
Ponto, portanto, para a imagem do jornal, seja em relação a
seus leitores, seja ao público de
mídia em geral.
Mas é preciso ir mais fundo na
avaliação política e jornalística
dessa série de encontros. Até que
ponto se cumpriram as expectativas depositadas nela? Qual foi
sua contribuição singular, em
comparação com outras iniciativas semelhantes?
Na reportagem que apresentava as sabatinas, domingo passado, o leitor Eduardo Guimarães
sintetizou, de modo pessoal, o
que, no fundo, animava a idéia:
"Tenho a expectativa de que se
consiga produzir mais do que se
vê nas TVs. Espero ver respostas
mais objetivas, menos genéricas,
voltadas a um público mais exigente. Espero ver, também, a politicagem de fora, pois a nós cidadãos ela pouco interessa".
Quem acompanhou a íntegra
das entrevistas na Folha Online
ou suas versões impressas pôde
se atualizar um tanto com relação aos presidenciáveis. Mas é
difícil afirmar que se tenham
concretizado as expectativas resumidas pelo leitor.
Ao contrário, demonstrou-se
que os candidatos, com seus assessores profissionais e seus marqueteiros, estavam muito mais
preparados para lidar com a Folha do que o jornal estava para
efetivamente sabatiná-los.
Entrevistar não é agredir, humilhar, muito menos submeter
alguém a um interrogatório do
tipo policial ou a uma espécie de
"sessão de tortura".
Jornalista não é candidato;
não pode nem deve encarar o entrevistado como se fosse um adversário a ser derrubado.
No entanto, ao mesmo tempo
em que possibilita a um político
expor propostas e idéias, precisa,
sim, ser capaz de extrair algo
além das generalidades, fazer revelarem-se para os leitores as diversas "caixas-pretas" (expressão já empregada, nesse sentido,
pelo jornalista Boris Casoy) que
todo homem público esconde.
Momento nobre do jornalismo,
a arte da entrevista consiste justamente nisso. Um jogo formal,
profissional, com liturgia própria, princípios e técnicas cuja
relevância e caráter de serviço
público se acentuam quando na
roda, em vez de um escritor ou
um popstar, há um candidato.
E, aqui, as sabatinas, jornalisticamente, malograram.
Lula, na segunda-feira, parecia
tão à vontade como se estivesse
na sala de sua casa. Até aí tudo
bem. O problema foi que, na
maior parte do tempo, também a
Folha parecia estar na casa dele,
para uma espécie de bate-papo
amigo em torno de um chá.
Nas questões programáticas, o
jornal foi incapaz de romper a
couraça de formulações abstratas que o candidato, por opção
política, vem mantendo até agora ao longo da campanha.
Inexistiram questionamentos
sobre assuntos considerados delicados, como reveses em administrações petistas ou o caso do
suposto esquema de propinas em
Santo André, o qual, no entanto,
consome há tempos páginas e
páginas do próprio jornal.
Perguntas em tese embaraçosas (obrigatórias), sem serem por
isso mal-educadas, partiram
mais, na verdade, dos leitores
-como aquela sobre como o líder petista ganha dinheiro para
sobreviver. A rigor, como escreveu o colunista Marcelo Coelho
em análise na própria edição do
encontro, terça-feira, não houve
bem uma sabatina.
Mesmice
Os eventos com Ciro Gomes,
terça, e com Garotinho, quarta,
não tiveram esse ar de conversa
informal. Houve tensão, atritos.
O resultado, para o leitor, porém, foi igual: respostas previsíveis, mesmice, superficialidade,
ataques aos alvos de sempre.
Evidenciou-se, nesses dois casos, que não se trata de um problema de grau de agressividade
ou da armação de "pegadinhas"
surpreendentes. Dessa fase, está
claro, o jornalismo já passou.
Trata-se, sim, do preparo técnico do jornal para entrevistar
nada mais nada menos do que
alguém que pode ser daqui a
poucos meses o presidente da República e que, ademais, há muito se prepara para lutar por isso.
Simplesmente, de novo, com
raras exceções, o jornal não conseguiu formular questões detalhadas, com abordagens ou argumentos novos, fundamentadas em dados e documentação,
reportagens da própria Folha ou
pesquisa aprofundada, de modo
a obrigar os candidatos a modificar seu articulado script.
Mais uma vez, foi da platéia,
no caso de Ciro, que vieram perguntas que, apesar de partirem
de um detalhe, fazem emergir
traços significativos do entrevistado (como aquela sobre sua
afirmação, não verdadeira, de
que estudara "a vida toda" em
escola pública).
Mais uma vez, os candidatos
deram o seu "show".
Presente
Reproduzida ontem no jornal,
a sabatina com José Serra teve
"clima" semelhante à de Lula.
De cara, enfatizando a importância de falar mais do futuro do
que do passado (balanço do governo FHC), o candidato conseguiu fazer com que se esquecesse
também o seu presente no mínimo sufocante.
Foi preciso que um leitor, após
quase duas horas de entrevista,
fizesse a pergunta cujo conteúdo
mais intriga hoje inclusive os
eleitores do presidenciável: de
onde vem sua dificuldade para
decolar nas pesquisas?
A importância política do assunto se expressou ao longo da
semana em reportagens sobre a
crise na campanha tucana, e
basta ler a pesquisa Datafolha
hoje neste jornal para atestá-la.
Havia que se discutir programa e futuro, claro. Mas como
passar ao largo daquele tema?
Serra, no entanto, tergiversou
simpaticamente com uma "sacadinha" não-inédita ("treino é
treino, jogo é jogo"), e ficou por
isso mesmo.
Decepção
O leitor que acompanha esta
coluna talvez se recorde que em
31 de março abordei as entrevistas dadas pelos candidatos em
sequência do programa "Roda
Viva" (Rede Cultura).
A avaliação, então, foi muito
parecida com a destas sabatinas.
A diferença é que, ali, eram
jornalistas de vários veículos
atuando. Diluía-se a responsabilidade. Aqui, trata-se da Folha.
Não de jornalistas individualmente, mas da instituição.
Ao contrário dos candidatos
-que, não custa repetir, há
anos se preparam para essa disputa-, o jornal expôs não se ter
armado o bastante para estar à
altura da inovadora iniciativa
que ele próprio criou. E isto apesar das suas regras flexíveis
-sem tempo determinado para
perguntas e respostas- e das experiências do "Roda Viva" ou
das entrevistas na Rede Globo,
abordadas aqui semana passada, que geraram custos aos candidatos e benefícios à emissora.
Volto ao leitor Eduardo Guimarães. Em e-mail, ele transmitiu as impressões sobre as sabatinas a que assistiu: "...após ter refletido bastante, não gostei. O
que pude extrair de novo... foi
muito menos do que esperava".
Mesmo assim, ainda com otimismo, ele conclui: "Semana que
vem, tem mais: os candidatos a
governador".
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