|
Próximo Texto | Índice
OMBUDSMAN
Estatísticas
BERNARDO AJZENBERG
O uso de estatísticas para avaliar um jogo de futebol, como costuma fazer a Folha, sofre muita contestação.
Mas a verdade é que os números se baseiam em fatos (dribles,
chutes a gol, escanteios etc.) e expressam claramente o desempenho técnico dessa ou daquela equipe, independentemente dos
gols marcados.
O mesmo não vale, porém, para avaliar o comportamento dos
jornais numa campanha eleitoral. Por isso, deve ser relativizado o levantamento feito pelo Iuperj (Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro),
apresentado em reportagem da
Folha domingo passado sob o título "Instituto mapeia cobertura
dos jornais".
Como explica o texto, o mapeamento divide as reportagens
em "positivas", "negativas" e
"neutras". Além disso, contabiliza o espaço dedicado aos candidatos em cada publicação.
De 20 de fevereiro a 28 de junho, a Folha, segundo o instituto, foi, dentre os três jornais de
"maior penetração" do país, o
que apresentou percentual mais
elevado de reportagens "neutras" sobre a sucessão presidencial. Ao mesmo tempo, foi o que
deu maior espaço relativo à candidatura José Serra (PSDB).
Um estudo como esse, se feito
com cautela e precisão, só pode
ajudar na avaliação do desempenho da imprensa. Por seu histórico, o Iuperj tem toda a condição de torná-lo útil e necessário,
como um contrapeso objetivo às
avaliações subjetivas referentes
à imprensa.
Mas seus dados não devem
ofuscar a existência de elementos inerentes ao jornalismo: a
possibilidade de interpretação
dúbia, as duplas leituras, o momento político e/ou econômico
em que determinada notícia surge, as ambiguidades, a sutileza e
a subliminaridade, a força subterrânea das imagens.
Como afirma o próprio diretor
de Redação da Folha, Otavio
Frias Filho, na reportagem, "jornalismo não é estatística".
Pergunta, também ali, Rodolfo
Fernandes, diretor de Redação
do "Globo": "Serra dar nota 7,5
para o governo Fernando Henrique é "positivo" ou "negativo'? E
Ciro dizer que vai alongar o perfil da dívida interna? E Lula afirmar que o PT mudou?".
Ibope
Na quarta-feira passada, por
exemplo, os principais jornais do
país publicaram em suas capas,
com títulos destacados e em espaços expressivos, a pesquisa de
intenção de votos do Ibope que
colocou Ciro Gomes (PPS) isolado no segundo lugar, nitidamente à frente de Serra.
Foi o primeiro levantamento
nacional realizado após a série
impactante de entrevistas com
os candidatos no "Jornal Nacional" e o primeiro, também, em
que o candidato da Frente Trabalhista abria tamanha distância sobre o tucano.
A Folha, porém, não deu na
capa sequer um título para a informação, limitando-se a registrar seus principais dados ao pé
de uma chamada que versava
sobre outra questão da campanha eleitoral. Internamente, a
reportagem não foi nem mesmo
manchete de página.
Questionada a esse respeito pelo ombudsman, a Secretaria de
Redação afirma que "o jornal
trata das outras pesquisas eleitorais, que não as do Datafolha,
conforme exercem efeito e impacto sobre o cenário político-eleitoral".
E acrescenta:
"Continuamos a dar primazia
editorial às pesquisas Datafolha,
não apenas por serem de instituto vinculado ao jornal, mas por
serem consideradas as mais confiáveis do país, confiabilidade reforçada, é bom sublinhar, pela
circunstância de que o Datafolha não faz pesquisa para partidos nem para políticos."
Impacto
Não estão em dúvida a credibilidade do Datafolha nem o fato
de que o jornal lhe dê primazia.
Isso posto, pergunto: quais foram o efeito e o impacto dessa
pesquisa do Ibope?
Basta ver a agitação ocorrida
no núcleo central da campanha
de Serra para verificar que foram enormes antes mesmo da
sua divulgação nos jornais.
Isso, sem considerar a redução
da taxa básica de juros, pelo
Banco Central, que não poucos
analistas atribuem a uma tentativa, adotada na própria quarta,
dia seguinte à divulgação da
pesquisa na TV, de dar oxigênio
ao candidato do Planalto.
Como seria computada estatisticamente tal postura da Folha à
luz dos parâmetros de um estudo
como esse do Iuperj?
Em texto no "Observatório da
Imprensa", site de análise da mídia, o jornalista Alberto Dines,
entre outras ponderações, destaca também a importância dos
colunistas e chargistas como elementos que influem no comportamento de um jornal.
Mais uma vez, não se trata de
desmerecer estatísticas, mas de
alertar para o fato de que muitas
vezes seus resultados, vistos abstrata e isoladamente, podem esconder problemas sérios e graves
de performance editorial.
Elas são bem-vindas, como um
elemento a ser considerado com
seriedade, mas não substituem
-nem seus autores pretendem
fazê-lo, deixe-se claro- as observações e o acompanhamento
diário que os leitores fazem e os
próprios jornalistas têm a obrigação de realizar.
Por mais que se esforce na busca pela objetividade, o jornalismo é, sim, um universo no qual a
subjetividade dita (muitas) regras -e aí reside, a bem da verdade, a sua graça.
Próximo Texto: Tropeços na passarela Índice
Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Bernardo Ajzenberg/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
|