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OMBUDSMAN
Bomba Waldomiro
BERNARDO AJZENBERG
O caso Waldomiro, detonado a partir de reportagem
da revista "Época" do dia 13, tomou conta da mídia, e nada indica que dela sairá tão cedo. É
possível, porém, refletir sobre como a Folha atuou nessa primeira semana.
Dentre os principais jornais de
circulação nacional, ela foi o
único a estampar na manchete
do dia seguinte (sábado) o nome
do ministro-chefe da Casa Civil:
"Vídeo mostra corrupção e derruba assessor de Dirceu". Os demais evitaram a menção direta.
A Folha, realista, colocou de
imediato o dedo na ferida, pois
todo o caso do agora ex-assessor
do Planalto, que aparece em vídeo negociando propina e arrecadação de dinheiro para campanhas eleitorais, só adquiriu tamanho peso, com ampla repercussão internacional, justamente por tocar no centro do poder,
no chamado "núcleo duro" do
governo, no "capitão" de Lula.
Ponto para o jornal, que teve
igualmente em seus colunistas e
articulistas, ao longo dos dias seguintes,um amplo leque crítico
de reflexão sobre o assunto.
Registre-se, também, o mérito
de, antes da concorrência, trazer
detalhes sobre como a bomba
abalou Lula e seus auxiliares
mais diretos, revelando, por
exemplo, "bastidores" sobre de
que modo José Dirceu colocou o
cargo à disposição do presidente.
Coadjuvante
Se teve sensibilidade política
para detectar e expor a profundidade do tema desde o primeiro
momento, a Folha, no entanto,
manteve-se apenas como coadjuvante na investigação jornalística do caso propriamente dito.
Quais revelações acrescentou
ao já publicado pela "Época"?
O único "furo" importante,
acredito, foi dado na edição de
segunda-feira, quando o jornal
revelou que o empresário de bingo Carlinhos Cachoeira (que
aparece no vídeo negociando
com Waldomiro Diniz) foi também, em 2001, o vencedor de
uma licitação para operar serviços de loteria no governo de Olívio Dutra (PT) no Rio Grande do
Sul -concorrência, aliás, depois
anulada pelo governo e só efetivada por decisão judicial.
A grande questão, porém, era
saber até que ponto Diniz continuou a operar ilicitamente em
2003, quando já era o subchefe
de Assuntos Parlamentares da
Casa Civil. Pois o argumento
central do governo contra uma
CPI sobre o assunto não era que
se tratava de um caso "requentado", anterior à atual gestão?
Revelações factuais sobre isso
apareceram inicialmente no
"Globo" e no "Estado de S.Paulo", terça e quarta-feira. A Folha
só as trouxe na edição de quinta.
Na quarta, aliás, expressando
falha de avaliação da notícia, o
jornal "escondeu" numa nota do
Painel FC (em Esporte) a informação de que, ironicamente, a
mensagem presidencial encaminhada com pompa por Dirceu
ao Congresso na segunda-feira
continha uma defesa da regulamentação dos bingos (os mesmos
que, nesta sexta-feira, o presidente Lula decidiu fechar).
Na quinta, relegou ao pé de um
texto um pequeno trecho de uma
carta que Diniz enviara a Dirceu
alegando absoluta inocência a
partir de uma reportagem da
"IstoÉ", em julho de 2003, sobre
sua atuação à frente da Loterj no
ano anterior; além disso, não registrou, como fez, por exemplo, o
"Globo", que o pedido de investigação feito na ocasião pelo Ministério Público emperrou na
Polícia Federal.
Acredito, ainda, que a foto exclusiva mais interessante dos últimos dias, por seu valor simbólico, foi a da capa do "Estado de
S.Paulo" de quinta, em que a
primeira-dama, Marisa, observa
com ar de preocupada um Lula
aparentando grande desconsolo.
Em matéria de apuração jornalística, o fecho da semana ficou mais uma vez com a "Época", que apresenta, além de uma
segunda parte da entrevista com
Waldomiro, detalhes a respeito
do encontro que ele manteve, já
em 2003, com Cachoeira e com
representantes de uma empresa
multinacional de loterias que
negociava com o governo um
contrato avaliado em R$ 300 milhões anuais.
Dinheiro de campanha
Três observações:
1) Nem Folha nem nenhum
outro veículo conseguiram, ao
menos até sexta, mostrar algo
sobre como Diniz atuou na base
do Congresso como negociador
do governo na aprovação de projetos de seu interesse, a começar
pelas reformas da Previdência e
tributária;
2) Em meio ao cipoal de notícias negativas para o Planalto, o
jornal evidenciou uma dificuldade para exibir em suas páginas opiniões, textos ou reflexões
que fizessem a defesa de Dirceu
(e do governo), um contraponto,
digamos, ao bombardeio desencadeado na semana. Um artigo
da filósofa Marilena Chauí em
Tendências/Debates, na quarta,
cumpriu em parte essa obrigação jornalística -a de expor,
sempre, o contraditório-, mas
foi/é pouco;
3) O pano de fundo do "caso
Waldomiro" diz respeito a uma
questão que a sociedade ainda
não resolveu e que a mídia, como um todo, cobre bastante mal:
a arrecadação de dinheiro para
as campanhas eleitorais. Neste
ano, o tema retorna, com as eleições municipais. Será que desta
vez a imprensa, embalada pelo
últimos acontecimentos, saberá
se preparar para o desafio? A
conferir.
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de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
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