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OMBUDSMAN
Marcos e lacunas
BERNARDO AJZENBERG
A crise instaurada na última
semana no Senado é uma
das mais graves que a história
política do país já conheceu. Está
longe de terminar, e pode produzir respingos de dimensões ainda
imprecisas em endereços diversos de Brasília e no próprio Palácio do Planalto.
Quando escrevia esta coluna
(por volta das 17h de sexta-feira,
dia 20, por motivo explicado em
texto abaixo), eram imprevisíveis os desdobramentos da tensão gerada a partir dos depoimentos de Regina Célia Peres
Borges, ex-diretora do Prodasen,
a respeito da violação do painel
eletrônico do Senado, seus executores e prováveis mandantes.
Já se torna possível e necessário, porém, um retrospecto da
cobertura dada pela imprensa
ao caso até agora. E, em primeira visada, quatro foram os seus
momentos decisivos.
O pontapé inicial se deu em 22
de fevereiro, quando o site da revista "Isto É" trouxe pela primeira vez -embora com imperfeições- a revelação do conteúdo
da conversa entre o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e procuradores da República no dia 19 daquele mês. A base
da reportagem eram fitas gravadas do encontro.
A versão impressa da revista
(datada de 28 de fevereiro) reproduzia o noticiário e dava
mais detalhes. Um dos itens
principais da conversa, conforme informou a publicação, foi a
afirmação de ACM aos seus interlocutores de que conhecia a
lista da votação da cassação do
então senador Luiz Estevão de
28 de junho de 2000.
No dia 3 de março, a Folha entrou com peso no assunto e trouxe a seguinte manchete: "Senado
quebrou sigilo de votação". A reportagem informava que um
funcionário do Prodasen entregara a ACM uma listagem com
os nomes de quem votou contra
e de quem votou a favor da interrupção do mandato de Luiz Estevão.
Acrescentava que a existência
da relação havia sido revelada
ao jornal por duas pessoas, "sob
a condição de que suas identidades fossem preservadas".
Depois dessas duas reportagens e das respectivas repercussões, vieram a morte de Mário
Covas, o naufrágio da plataforma P-36 da Petrobrás, a crise argentina.
Mais do que tudo isso, quase
como escândalo-espelho no embate Jader Barbalho-ACM, aflorou de vez o também histórico
rombo de quase R$ 2 bilhões (até
o momento) na Sudam.
O caso do painel eletrônico ficou praticamente adormecido, à
espera das conclusões dos técnicos da Unicamp a respeito das
possibilidades efetivas de violação do sistema de computadores.
O terceiro momento importante, na cobertura do "Caso Painel",
foi propiciado também pela "Isto
É". Na edição de 11 de abril, em
texto intitulado "Abraço de afogado", a revista registrava:
"ACM tem dito a parlamentares
e a assessores que foi o líder do
governo, José Roberto Arruda
(PSDB-DF), quem lhe entregou a
lista com os nomes de todos os
que votaram a favor e contra Estevão".
Adiantava, também, que Regina Célia -até então um personagem relativamente obscuro-
havia sido nomeada diretora do
Prodasen por ACM a partir de
indicação de Arruda e do governador da Bahia, César Borges
(afilhado político de ACM).
Finalmente, uma vez trazida por todos
os jornais na última quarta-feira
a notícia do primeiro depoimento da funcionária a uma comissão de inquérito no Senado (depoimento este realizado na segunda-feira, dia 16), veio o quarto destaque de peso na cobertura
do caso. Foi a entrevista exclusiva com Regina Célia publicada
pelo "Jornal do Brasil" na quinta-feira.
Ali, não só se confirmava a
acusação de que o pedido de violação do painel partira do senador Arruda e de ACM, como também se
adiantavam inúmeros detalhes
daquilo que aconteceu na véspera da votação cujo sigilo foi destroçado e que ela mesma, Regina
Célia, repetiria, mais tarde, no
mesmo dia, em novo depoimento no Senado.
Aí estão, até o momento, os
marcos da cobertura jornalística
desse histórico caso. Dadas as
suas dimensões e as lacunas
ainda existentes, é certo que outros precisarão ser estabelecidos.
Perfil adjetivado
Vale comentar, aliás, dois aspectos referentes ao que ainda
está por vir. Quem pôde ver pela
TV o depoimento de Regina Célia na última quinta-feira à Comissão de Ética do Senado dificilmente deixou de acreditar em
suas palavras ou de apreciar sua
coragem, honradez e dignidade.
Isso não pode justificar, no entanto, o perfil quase santificante
que os jornais passaram a lhe
atribuir. Nesta sexta-feira, por
exemplo, a Folha publicou um
texto intitulado "Ex-diretora do
Prodasen é filiada ao PSDB".
Em vez de mostrar informações novas e aprofundadas sobre
a vida de Regina Célia em diversos aspectos, a reportagem ocupa
três quartos de seu espaço com
depoimentos e adjetivos engrandecedores: séria e competente,
respeitada, correta, afável, profissional, dedicada, sensível,
"nunca foi leviana nem irresponsável", prestativa, benquista,
trabalhadora.
Pode ser que a ex-diretora do
Prodasen reúna essas qualidades todas -acredito mesmo que
assim seja. Mas os marcos da cobertura do caso destacados aqui
testemunham que jornalismo de
verdade não é feito de declarações e sim de investigação. É fruto de ousadia e perseverança,
cultivo de fontes confiáveis e
criatividade. Até mesmo entrevistas, como a publicada pelo
"JB", decorrem de batalha; não
caem do céu.
Para ficar apenas nesse exemplo: será que tudo a respeito de
Regina Célia, inclusive em aspectos positivos de seu currículo,
já foi estabelecido?
Por falar em ousadia. A manchete da Folha desta mesma sexta-feira foi, como disse um colega, "extremamente tucana". Veja só:
"O Estado de S.Paulo": "Depoimento abre caminho para
cassar ACM e Arruda";
"O Globo": "Depoimento de
ex-diretora abre caminho para
cassar ACM e Arruda";
"Jornal do Brasil": "Congresso
já admite cassação dos senadores ACM e Arruda".
A Folha deu: "Depoimento
complica Arruda e ACM".
Ora, os dois senadores já estão
"complicados" faz muito tempo,
para dizer o mínimo.
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