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OMBUDSMAN
Depois do boom
BERNARDO AJZENBERG
Na volta das férias, segunda-feira, tomei conhecimento dos números de vendas dos
principais jornais de circulação
nacional do país em 2002.
Mesmo num ano cheio de
eventos relevantes ("guerra ao
terrorismo", Copa do Mundo,
eleições presidenciais), manteve-se a tendência de queda desenhada especialmente desde 1998.
Não cabe lamentar, mas sim
procurar entender ao menos algumas causas desse declínio e o
que ele implica.
O gráfico acima, com a circulação média anual da Folha, do
"Estado de S.Paulo" e do "Globo" desde 1984, mostra como são
semelhantes, sobretudo nos anos
90, as curvas de sua evolução.
Fica evidente o pico de 1994 e
1995, quando a Folha, por exemplo, teve circulação média de 606
mil exemplares por dia.
Foram os anos em que se realizaram seguidas promoções (aos
jornais se acoplaram atlas, enciclopédias, fascículos, dicionários), com marketing agressivo,
para conquistar novos leitores.
Tal estratégia se baseava na
idéia de que, num mercado de
forte concorrência, quanto mais
jornais vendidos por uma empresa, mais publicidade ela
atrairia para suas páginas e, assim, mais faturamento.
Apoiava-se no Plano Real, que
momentaneamente possibilitou
uma melhora na capacidade de
consumo de significativas parcelas da população e "barateou" o
dólar (moeda na qual se baseia o
preço do papel usado na impressão dos jornais).
Foi nessa época, também, que
os principais grupos de comunicação, em grande parte sustentados por empréstimos obtidos no
exterior com câmbio favorável,
investiram em parques gráficos,
ampliaram negócios (TV a cabo,
internet) e até lançaram novos
veículos impressos.
Na história do jornalismo, porém, nem sempre circulação elevada foi sinônimo de solidez empresarial. E essa realidade se evidenciou a partir de 1998, quando
começam a aparecer sinais negativos de desgaste do Real.
O dólar sobe. Com ele, disparam as dívidas (algumas literalmente bilionárias) e o preço do
papel. A renda da população, de
modo geral, começa a declinar.
Cai o investimento publicitário; as próprias empresas de comunicação também enxugam
seu marketing. Esgota-se a política de promoções (haja estante
para tanta enciclopédia, atlas,
dicionário etc).
A prioridade passa da circulação para a rentabilidade: venda-se menos, mas com uma saúde
econômica melhor. Relacionado
a esse enfoque está o empenho
no sentido de se criar uma legislação para permitir a entrada de
capital estrangeiro na mídia.
Artificial
Para o diretor de Redação da
Folha, Otavio Frias Filho, o crescimento de meados dos anos 90
foi, em boa medida, artificial.
"A maior parte das pessoas
que passaram a comprar jornais
no ciclo dos brindes não foi cativada pelo produto jornalístico
em si", diz Frias Filho. "Receio
que a retenção desse contingente
de leitores [uma vez encerradas
as promoções] somente teria sido expressiva se os jornais se dispusessem a desfigurar seu perfil
editorial, dando maior ênfase a
temas populares em detrimento
da cobertura político-institucional e macroeconômica, por
exemplo".
Na opinião de Rodolfo Fernandes, diretor de Redação do
"Globo", a queda na renda da
população é o fator primordial.
"Anos seguidos de baixo crescimento econômico após o boom
de 1994/1995 tornaram os jornais
um produto caro para um importante segmento de leitores",
avalia. "A não trabalhar com essa visão, teríamos de acreditar
que todos os jornais ficaram
muito ruins e outras mídias ficaram subitamente muito boas
-hipótese da qual discordo fortemente".
Qualidade
Hoje, passado o "ciclo dos brindes", a proporção entre leitores
assinantes e leitores avulsos mudou. Segundo a Associação Nacional de Jornais, 59% dos exemplares vendidos pelos 74 jornais
auditados no país são de assinantes, porcentagem que sobe
nos veículos tratados nesta coluna (na Folha, por exemplo, ela é
de 80% a 90%).
A oscilação de vendas representada por leitores que compram esses jornais em banca
-atraídos por uma manchete
mais "forte", por exemplo- torna-se, assim, quase irrelevante
em termos estatísticos.
E aqui entra a responsabilidade das Redações e dos jornalistas. Nessa nova situação -em
que parece se consolidar uma
maior seletividade na composição de seu público-, aumenta a
importância da qualidade contínua do conteúdo jornalístico como fator decisivo para a manutenção dos atuais e a conquista
de novos leitores.
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Bernardo Ajzenberg é o ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
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