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OMBUDSMAN
A nossa manchete errada
RENATA LO PRETE
Da última vez em que uma
manchete errada foi tema
desta coluna, a pimenta ardeu
nos olhos dos outros. O caso relatado hoje ocorreu na Folha. À diferença do que se deu no "Correio Braziliense" quase dois meses atrás, quando houve retratação imediata, aqui o engano ultrapassou 500 dias de vida.
Trata-se do título principal da
edição de 8 de maio do ano passado: "Malan sabia da ajuda ao
Marka, diz PF".
A "ajuda", para quem não se
lembra, é o R$ 1,6 bilhão torrado
pelo Banco Central para socorrer
os pequenos Marka e FonteCindam da desvalorização do real,
em janeiro de 1999.
"A Polícia Federal está convencida de que o ministro da Fazenda sabia da operação na época
em que ela foi realizada", afirmou a reportagem que deu origem à manchete.
"Segundo a Folha apurou, a
convicção está baseada em depoimentos e documentos que
atestam a presença de Pedro
Malan nas dependências do BC
durante parte do período em que
a diretoria discutiu o assunto."
Nos dias que se seguiram, o jornal publicou duas contestações
do ministro.
A primeira, em forma de notícia e sem destaque. Ele reiterava
que na visita ao Banco Central,
"amplamente conhecida e divulgada à época", participou de
reunião em que se discutiu apenas a mudança do regime cambial, sem referências a Marka e
FonteCindam.
Depois veio uma carta no "Painel do Leitor". Nela, a manchete
foi classificada como "dupla
mentira". "Nem eu sabia da ajuda, nem a Polícia Federal confirma ter dito ou chegado à conclusão que a Folha lhe atribuiu."
Para entender o último trecho
da frase: em resposta a uma solicitação de esclarecimentos de
Malan, o Ministério da Justiça,
ao qual a PF está subordinada,
informara inexistir, nos depoimentos, alusão a que ele tivesse
conhecimento prévio da operação investigada.
O ministro da Fazenda pedia à
Folha que se mostrasse coerente
com a transparência defendida
em sua linha editorial, corrigindo a manchete.
O jornal manteve a versão publicada. "A reportagem baseou-se em informações obtidas junto
a três fontes da Polícia Federal,
todas envolvidas, direta e indiretamente, nas investigações", dizia a Nota da Redação.
"Procuradas pelo jornal, as
mesmas fontes reafirmaram as
informações."
Na semana passada, Malan retomou o episódio em carta à ombudsman. "Esperei todo esse
tempo tanto pela conclusão das
investigações quanto por um
gesto de reconhecimento e de decência da Folha."
Ele criticou o jornal por noticiar o fim do inquérito sem esclarecer que apostara tudo no resultado contrário.
De fato, embora editada como
segundo destaque da capa
("Ação de Malan não é provada"), a reportagem de 8 de junho
deste ano foi escrita como se a
anterior não tivesse existido.
"Alguém poderia imaginar
que não me deveria ser conveniente voltar, tanto tempo depois, a um assunto que me causou tanto desgaste", declarou o
ministro. "Não tenho problemas
com isso. O que a mim causa desgaste não é o assunto. É a injustiça de uma acusação jamais comprovada."
É confortável para o jornalista
pensar que na definição de manchete errada só se encaixaria o
que aconteceu no "Correio":
uma fantasia sem intermediários, por assim dizer.
O jornal afirma que algo existe
(no caso, um negócio). Uma vez
demonstrado que não existe, a
única saída é corrigir.
Quando a informação é atribuída a terceiros, sempre há um
meio de escapar: quem disse foi a
Polícia Federal, não a Folha.
Quem na Polícia Federal? O
jornal tem o direito de manter
suas fontes sob sigilo. Mas o leitor tem o direito de duvidar que
a avaliação dos três entrevistados pudesse ser tomada como
diagnóstico da corporação.
O "diz" não elimina a responsabilidade do jornal por uma informação colocada no topo do
noticiário, em especial quando
sua origem não é identificada.
Outra maneira de fugir do problema é apelar à opinião. Como
Malan poderia não saber? É o
ministro. Esteve no BC quando
lá se analisava o socorro. Nesse
mesmo dia, fez refeições com o
presidente do banco. E, se não
soube, sendo o ministro, pior
ainda.
Enveredar por esse caminho é
achar que manchetes podem sobreviver sem fatos, sustentadas
apenas pelas convicções de cada
um.
Para constatar o embaraço da
Folha, nada melhor do que descer a detalhes de seu vocabulário.
Na reportagem do ano passado, a PF estava "convencida" do
envolvimento de Malan. Na deste ano, a certeza deu lugar à "suspeita" de que ele tivera conhecimento prévio do socorro.
O primeiro texto falava em
"documentos e depoimentos"
que dariam amparo à acusação.
No mais recente, a palavra "documentos" não aparece uma
única vez.
"A nota do Ministério da Justiça parece fazer parte de uma
operação do governo para abafar o caso", dizia a réplica à carta
publicada no "Painel do Leitor".
Como "parece"? A seguir essa
linha, pode-se alegar também
que a Nota da Redação "parece"
fazer parte de uma operação do
jornal para abafar seu equívoco.
Na sexta-feira, o diretor de Redação transmitiu à ombudsman
a posição que a Folha tem hoje
sobre o episódio. "O jornal errou
ao confiar em fontes cujas informações não se comprovaram",
afirmou Otavio Frias Filho.
Quase toda manchete envolve
alguma dose de aposta. Às vezes,
uma dose elevada. É impossível
estabelecer regra única. Fatores
que mudam de um caso para outro ajudam a decidir se convém
ou não bancar o risco.
Uma coisa é certa. Se não há
elemento consistente para contrapor a um desmentido, é melhor reconhecer o erro sem rodeios. Pior do que perder a aposta é perder a confiança do público se agarrando a uma reportagem sem estofo.
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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato
de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade
por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor
-recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário
dos meios de comunicação.
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