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OMBUDSMAN
A longa travessia
MARCELO BERABA
Na semana em que todos os
jornais noticiaram com destaque os resultados das pesquisas
que mostram queda do desemprego, recuperação da renda e
forte otimismo dos empresários
com os rumos da economia brasileira, a Empresa Folha da Manhã, que edita a Folha, fez o caminho inverso e executou o corte
mais forte de funcionários desde
que entrou em crise, há mais de
dois anos, por conta da explosão
de uma dívida de R$ 290 milhões.
A Folha não noticiou suas próprias demissões.
Não é o primeiro corte que o jornal faz nem a única empresa de
comunicação a fazê-lo. Mas esse
"ajuste", para usar o termo caro
às consultorias, tem características próprias que devem ser analisadas. Antes, os números e informações de que disponho, sem
confirmação oficial.
A dimensão
Foram demitidos da empresa,
ao longo da semana, cerca de 200
dos quase 1.300 funcionários, o
que representa um corte de 18%
das despesas com pessoal.
Nas Redações da Folha, da Revista da Folha, do Folha Online,
da Agência Folha, dos cadernos
regionais, do Banco de Dados e
do "Agora" foram 85 pessoas, sendo que 60 jornalistas.
Na Redação da Folha, principal
título da empresa, foram demitidos 35 jornalistas e alguns colunistas foram terceirizados. Nem
todas as vagas serão fechadas: deverão ser contratados 13 novos
profissionais, mas com salários
muito mais baixos.
Diferentemente de outros cortes, esse atingiu a elite do jornal.
Foram demitidos cinco editores,
um fato inédito na história da Folha se consideramos apenas cortes
por razões financeiras. Entre os
demitidos (agora ou no futuro
próximo), estão vários jornalistas
com mais de 20 anos de profissão e
com especializações em áreas
complexas, como ciências, saúde e
economia.
Os cortes extinguiram um produto, o caderno regional de Campinas, e, internamente, atingiram
o Programa de Qualidade, um
dos pilares, junto com o Programa
de Treinamento, do esforço planejado de melhoria do jornal.
O Programa de Qualidade, implantado em 1996, era responsável pelo controle diário de erros
gramaticais, de padronização e
de digitação. Todos os seus funcionários foram demitidos ou
transferidos, e o controle passará
a ser feito de forma seletiva.
O impacto das medidas é maior
porque incide sobre outros cortes
de despesas, pessoal e produtos
feitos desde o início de 2002.
"O leitor deve
ficar atento,
cobrando
qualidade e
equilíbrio"
As razões
E por que mais esses cortes, depois de tantos outros e no momento em que a economia brasileira parece sair da estagnação?
A Folha não respondeu.
Recebi do diretor de Redação,
Otavio Frias Filho, por escrito, a
seguinte declaração: "Lamentamos a perda de profissionais valiosos, muitos deles com longo histórico de dedicação ao jornal. Foram medidas duras, mas necessárias para assegurar ao jornal condições de vencer mais rapidamente essa conjuntura adversa
-e de fazê-lo sem riscos para a
independência editorial".
Há duas hipóteses possíveis para os cortes.
A primeira, um forte ajuste interno para preparar a empresa
para a entrada de um sócio estrangeiro, como acaba de ocorrer
com o grupo Abril, que vendeu
13,8% de ações para fundos de investimento norte-americanos.
A outra hipótese é, na verdade,
a razão apresentada extra-oficialmente pela direção do jornal
nas conversas com alguns demitidos e com os editores que sobraram.
A empresa teria tomado essas
medidas para apressar a liquidação da dívida do jornal. É importante a distinção: a dívida do grupo é de R$ 290 milhões, segundo
reportagem publicada pela própria Folha em 15 de fevereiro.
Mas a dívida do jornal é menor, e
seria de R$ 160 milhões.
O que se ouve é que a rentabilidade do jornal é alta (17%), os juros (20% da dívida ao ano) estão
sendo pagos, mas o ritmo de abatimento da dívida é lento e ameaçador.
O que a empresa pretende, portanto, com esses cortes, pelo que
foi possível captar em diversas
áreas do jornal, é melhorar seu resultado financeiro, se possível
ainda neste ano, e encurtar o período chamado internamente de
"travessia do deserto".
As demissões ocorreram depois
de dois meses de trabalho da empresa de consultoria Integration,
que tem escritórios em São Paulo
e no Rio. Antes, o jornal tentou
vender ativos, sem sucesso, e passou pela experiência da negociação, frustada até agora, com o
BNDES.
"O Estado", seu principal concorrente na praça de São Paulo, e
a Abril também contrataram
consultorias, mas fizeram seus
ajustes em períodos mais longos,
não de forma tão abrupta como
faz agora a Folha. Depois dos cortes e mudanças que introduziu no
ano passado, o "Estado" teve um
resultado financeiro bem superior
ao da Folha.
O futuro?
O que vai acontecer com a Folha? Terá de continuar a produzir
o jornal que promete -informativo, crítico, pluralista, apartidário, moderno, imprescindível-
com menos gente e reduzido espaço editorial.
O produto que tem sido feito já é
irregular. O achatamento salarial
que virá e a perda de jornalistas
especializados e experientes terá
conseqüências. O leitor deve ficar
atento, cobrando qualidade e
equilíbrio.
Há um outro aspecto negativo
nesse episódio, que é o silêncio do
jornal. Por que não noticiou suas
próprias demissões?
O jornal, que tem a obrigação de
cobrir as crises dos governos, das
empresas públicas e das empresas
privadas, optou por não soltar nenhum comunicado oficial, e isso é
um erro.
A sociedade reivindica, cada vez
mais e com razão, transparência
por parte dos meios de comunicação. A saúde financeira dos jornais interessa aos seus leitores
porque está em jogo a independência e a credibilidade desses
veículos que eles escolheram para
comprar, se informar e interagir.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Marcelo Beraba/ombudsman,
ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br. |
Contatos telefônicos:
ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira. |
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