São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2000

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OMBUDSMAN

Notas de fim de ano
RENATA LO PRETE
Três bolas passaram entre as pernas da Folha na última semana do ano. São diferentes os problemas que estão na origem de cada uma delas.
A de sexta-feira passada foi o típico cochilo de véspera de feriado. Em contraste com seus principais concorrentes, o jornal não noticiou a criação de um instrumento legal para punir procuradores que fizerem acusações "sem ações judiciais instruídas com documentos comprobatórios".
Na prática, essa medida provisória vai na direção da "mordaça" para o Ministério Público que o governo havia tentado, sem sucesso, aprovar no Congresso. Em condições normais, o assunto dificilmente teria ficado fora da Primeira Página, que dirá da edição.
Outro tropeço foi fruto de insensibilidade. Contra as evidências, o jornal subestimou a repercussão da anunciada mudança de nome da Petrobras para PetroBrax.
Na quinta-feira, enquanto outros veículos davam conta da grita generalizada, na Folha a história sobrevivia apenas nos comentários de colunistas. Só voltou a ganhar destaque quando FHC abortou o "x" que, segundo diferentes relatos, havia autorizado.
A terceira bola foi a pior porque não pode ser caracterizada como incidente isolado. Também na quinta-feira, foram outros jornais que tiveram acesso ao conteúdo do depoimento de Nicolau dos Santos Neto à Polícia Federal.
Informaram que o juiz não respaldou de todo ou mesmo desmentiu as explicações do ex-secretário da Presidência Eduardo Jorge para os contatos entre ambos. A conferir qual é a interpretação correta, mas não há dúvida de que esse depoimento é notícia.
O furo foi o mais recente de vários que a Folha amargou na investigação do mundo Nicolau-Luiz Estevão-Eduardo Jorge, nada menos que o principal caso do ano.
Como a história está longe de ser esclarecida, fica para o jornal o desafio de virar o jogo em 2001.

Tomei conhecimento, por intermédio da Redação, de um fax que deve ter sido enviado a muitos jornais e revistas. Seu teor revela absoluta ausência de noção de fronteira entre interesse comercial e informação jornalística.
O punhado de linhas anuncia o "prêmio" que uma joalheria pretende conferir "a jornalistas que melhor divulgarem a marca".
As categorias: "foto mais criativa", "foto mais impressionante" (seria a imagem publicada com "maior destaque"), "melhor artigo" e "jornalista que produzir a maior quantidade de editoriais sobre a marca". Cada vencedor receberá um anel.
Fica claro que os promotores do concurso não estão interessados em anúncios concebidos por publicitários e apresentados sem disfarce, e sim em peças promocionais travestidas de notícia.
Nas palavras do colega que primeiro me mostrou o fax, trata-se da mais completa desfaçatez. Mas convém não duvidar que surjam interessados.

Na tentativa de parecer "interativos", jornais publicam cada vez mais enquetes. Em tempo real, elas podem funcionar como curiosidade e entretenimento. No papel, ficam mais evidentes tanto a ausência de valor estatístico dos resultados quanto a frequente irrelevância das perguntas.
Não bastassem as duas deficiências, a Folha parece disposta a sacrificar a agilidade que caracteriza esse gênero de sondagem.
Há cerca de dois meses, observei na crítica interna que o caderno de televisão havia mantido de uma edição para outra a mesma enquete: "Luciana Gimenez foi a melhor escolha (para apresentar o programa 'Superpop')?"
A Redação não se impressionou. Pouco depois, aplicou o truque novamente, desta vez com pergunta sobre a situação vivida pela protagonista da novela das 8, cuja filha precisa de um transplante de medula: "É correto dar à luz um doador?" (A questão anterior era uma tolice. Esta nem ao menos faz sentido tal como formulada).
Voltei ao assunto na crítica. Nenhuma reação. Acredite se quiser, completam-se hoje quatro semanas com a enquete sobre o doador no jornal de domingo. Nada do resultado. A Folha é um diário, o caderno é semanal, mas a pergunta é a mesma o mês inteiro.
Não é difícil imaginar o que aconteceu. O retorno em respostas deve ter sido insuficiente. Em vez de entender o desinteresse como sinal de que o leitor espera serviço de melhor qualidade, o jornal opta pelo mais cômodo. Bobagem e reprise da bobagem.
O caso das enquetes do TV Folha mostra que na Redação, um lugar de aparência agitada, a inércia é força mais poderosa do que se imagina.

Com a atenção voltada para os destaques do noticiário, o jornalista muitas vezes subestima o efeito da informação errada em serviços fixos.
A insatisfação, no entanto, existe, como se pode perceber no desabafo enviado por esta leitora pouco antes do Natal, junto com votos de Boas Festas para a Redação e para a ombudsman:
"Manhã de terça-feira. Tomo banho e pego a Folha para ter idéia de que roupa usar. A capa diz que a temperatura máxima prevista é de 21 graus Celsius. Ponho uma blusa de manga comprida, que me protegeria inclusive se chuviscasse."
"Às 9h, já na rua, o calor é considerável. Ao meio-dia, jogo a toalha: corro a uma loja e compro uma blusa mais leve, mesmo tendo um monte delas em casa. E apesar de estar poupando dinheiro para os presentes de fim de ano."
"Na quarta-feira, a capa informa que chegamos a 28,5 graus Celsius no dia anterior."
"Talvez vocês não se dêem conta mas, quando pagamos para receber um jornal, não estamos esperando apenas detalhes sobre a briga entre ACM e Jader Barbalho, mas um pacote de informações. Que vão de bobagens políticas a coisas mais relevantes, como os quadrinhos e a coluna de José Simão."
"Nada que faça parte desse pacote deve ser menosprezado. Qualquer item será útil para algum leitor e mexerá com seu dia-a-dia. Pensem nisso."

Entrarei em férias amanhã. Durante minha ausência, os casos urgentes serão levados ao conhecimento da direção do jornal por Rosângela, secretária do Departamento de Ombudsman. Responderei a todas as mensagens a partir de 5 de fevereiro. A coluna voltará no domingo seguinte, dia 11. Até lá e um ótimo ano.


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Renata Lo Prete é a ombudsman da Folha. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Ele não pode ser demitido durante o exercício do cargo e tem estabilidade por seis meses após o exercício da função. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva do leitor -recebendo e verificando as reclamações que ele encaminha à Redação- e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
Cartas: al. Barão de Limeira 425, 8º andar, São Paulo, SP CEP 01202-900, a/c Renata Lo Prete/ombudsman, ou pelo fax (011) 224-3895.
Endereço eletrônico: ombudsman@uol.com.br.
Contatos telefônicos: ligue (0800) 15-9000; se deixar recado na secretária eletrônica, informe telefone de contato no horário de atendimento, entre 14h e 18h, de segunda a sexta-feira.


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