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Opinião

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Janaína Conceição Paschoal

O assunto é acúmulo de cargos

Surrealismo político

Não é apenas São Paulo que deve reclamar. O que garante que o novo ministro não vá beneficiar o Estado cujo Executivo ainda integra?

O Estado de São Paulo foi surpreendido com um inusitado convite formulado para o vice-governador tornar-se ministro.

Ainda mais inusitado foi o fato de o convidado aceitar, negando-se a deixar o cargo até então ocupado, sob a alegação de que a Constituição do Estado não proibiria a inovação. Ares vanguardistas foram conferidos a ato que, em local civilizado, caracterizaria desrespeito.

Primeiro, deve-se lembrar que o adultério, apesar de não mais ser crime, continua constituindo uma traição, com todas as consequências que lhe são inerentes. Assim, não é porque a Constituição do Estado não prevê, expressamente, que o vice-governador não pode assumir outro cargo, que tal ato possa, automaticamente, ser considerado lícito.

A interpretação das normas não pode ser feita de maneira pontual. Nem todas as situações são previstas de forma precisa. Faz-se necessário proceder à análise sistemática da legislação. Essa exegese inviabiliza que a comédia se perpetue.

Com efeito, o artigo 38 da Constituição de São Paulo prevê que o vice-governador sucederá o governador e o auxiliará, restando claro que não será requisitado apenas em caso de viagens. O artigo 44 determina que "governador e vice-governador não poderão, sem licença da Assembleia, ausentar-se do Estado por período superior a 15 dias, sob pena de perda do cargo", sendo certo que o pedido de licença há de ser amplamente motivado.

Ora, se o afastamento por mais de 15 dias requer pedido fundamentado e a não observância de tal requisito pode ensejar a perda do cargo, como pretender lícita a assunção de um ministério?

Ademais, as incumbências do cargo de governador, que pode precisar ser assumido pelo vice, são incompatíveis com as exigências do cargo de ministro. Vale lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 87, estabelece poderes bastante significativos aos ministros de Estado, dentre os quais a expedição de instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos.

A própria lei nº 12.792/13, que criou a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, com status de ministério, prevê poderes vastos ao titular, entre os quais o de criar e coordenar programas de promoção da competitividade para pequenas empresas.

Não é apenas São Paulo que deve reclamar dessa situação. O que garante aos demais entes da Federação que o novo ministro não vá beneficiar o Estado cujo Poder Executivo ainda integra?

Concordo com as análises de que essa indefinição do vice-governador-ministro fere a democracia, dado que serve a dois partidos, a princípio, opositores. No entanto, mesmo que se tratasse de governos aliados, a dupla função seria insustentável, pois constitui afronta à independência inerente ao pacto federativo.

Parece óbvio que não pode aquele que tem poder para regulamentar leis para todo o país querer, ao mesmo tempo, executar as mesmas leis em um dos Estados da Federação.

A moral já exigiria que o vice-governador-ministro tomasse uma posição clara. Mas, se o devido não parte de quem deveria, resta imperioso que os órgãos competentes tomem as providências necessárias.

Diversamente do que se crê, quem tem poder não pode tudo. Quem tem poder deve mais: satisfações, explicações e observância às normas. Mesmo reconhecendo que prevalece um culto indevido ao relativismo, ainda existe o certo e o errado.


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