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Paula Cesarino Costa
Paz com mortes?
RIO DE JANEIRO - Uma senhora caminhava com o neto, após comemorar com um churrasco os 72 anos que recém-completara, quando irrompeu o tiroteio no complexo de favelas do Alemão, na zona norte do Rio. Arlinda Bezerra das Chagas, conhecida como dona Dalva, só teve tempo de aconselhar o neto a esconder-se atrás dela. Foi atingida por um tiro e morreu.
Ao tentar escapar de confronto entre traficantes e policiais, em Copacabana, zona sul, Douglas Rafael da Silva, 26, o dançarino DG, recebeu um tiro pelas costas, caiu do muro de uma creche e aumentou a estatística de assassinatos no Rio.
Por um desses absurdos que só a política e a polícia admitem, dona Dalva e DG são vítimas do chamado processo de pacificação de favelas do Rio. Mas pode haver pacificação com morte? Essa contradição em termos não tem escapado à imprensa estrangeira, açodada pela proximidade da Copa do Mundo.
Ao visitar uma comunidade "pacificada", o repórter Ben Anderson, da série jornalística "Vice", da HBO, surpreendeu-se quando o policial militar disse que comanda ali uma operação de guerra. No final, constata que, embora os grandes traficantes tenham sido retirados de muitas áreas, a polícia pode ser tão ruim quanto eles. E que o tráfico vive bem.
Pairam hoje mais dúvidas do que certezas sobre os avanços da política de segurança. Os motivos já são por demais conhecidos e repetidos.
A reconquista de territórios antes sob domínio do tráfico não se manterá se não houver a ocupação por políticas de emprego e melhora das condições de habitação, transporte, educação e saúde. Nem se a polícia continuar a fornecer quadros para o crime organizado. A polícia não será respeitada enquanto casos de tortura, abuso e ineficiência se repetirem.
Pacificação não pode admitir guerra nem moradores contrapostos a policiais, como se inimigos fossem.