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Rodrigo Capez

Nem só de técnica se faz um juiz

Avaliou-se só mérito e preparo do candidato. Mas a banca não pode indagá-lo sobre qual a sua religião? E se for um fanático? E sobre a sua estrutura familiar?

O Tribunal de Justiça de São Paulo reconhece de forma plena, no Conselho Nacional de Justiça, a autoridade de que foi constitucionalmente investido: órgão superior de controle da atuação administrativo-financeira do Poder Judiciário.

O papel transformador do CNJ é indiscutível e, graças à sua destacada atuação, o Judiciário, nacionalmente, é um Poder melhor.

Apenas a ignorância ou a má-fé de alguns levam à afirmação de que a corte é refratária ao CNJ. O adjetivo retrógrado não deve ser imputado ao Tribunal de Justiça, e sim aos críticos que insistem em ignorar os avanços havidos na atual gestão.

Em vez de se lançarem luzes nas últimas declarações da ministra Eliana Calmon, que se disse "maravilhada" com o espírito de harmonia, irrestrita colaboração e transparência de São Paulo, há quem, de forma mendaz, insista em propalar a existência de um clima de tensão e animosidade entre o TJSP e o CNJ.

A anulação parcial do concurso para a magistratura de São Paulo, por questões de ordem formal, não deriva de um embate com o CNJ.

A Ordem dos Advogados do Brasil e o próprio CNJ atestaram que não houve preconceito, privilégios ou favorecimentos de qualquer ordem.

Filhos de desembargadores e de ministro do Superior Tribunal de Justiça e assessores de ministros do Supremo Tribunal Federal foram reprovados, a demonstrar a independência dos examinadores, cuja idoneidade e honradez foram ressaltadas pelo CNJ.

Como alguém se torna juiz? Por concurso público, regido pela resolução 75 do CNJ. Há várias provas escritas, investigação social, exame de sanidade física e mental, psicotécnico e, superadas essas fases, prova oral sobre questões jurídicas.

Diversos tribunais, após a realização pública do exame oral, sempre submeteram os candidatos a entrevista reservada com a banca examinadora, a fim de melhor conhecer o seu perfil e complementar a análise psicossocial.

A entrevista, em nosso entender, permite contato mais próximo da banca examinadora com o candidato e contribui para aferir se ele realmente é apto e vocacionado para a magistratura.

Ninguém foi reprovado pela roupa que vestia, por ser ateu ou cristão, casada ou "desquitada", branco ou afrodescendente. Avaliou-se só o mérito, o preparo do candidato.

Permitir que alguém se torne juiz e seja investido de graves poderes para decidir sobre a liberdade, os bens e o destino de uma pessoa é uma enorme responsabilidade.

A banca não pode indagar ao candidato a sua religião? Se ele for um fanático, um intolerante religioso, sua imparcialidade não estaria seriamente comprometida? Indagá-lo sobre sua estrutura familiar é desarrazoado?

Não se trata de preconceito, mas de identificar quem é o candidato que deseja ser juiz e as razões que o movem. Nenhuma empresa contrata funcionário qualificado sem entrevistá-lo pessoalmente.

O CNJ decidiu que são vedadas entrevistas reservadas, pois a transparência é a regra. Respeitosamente, propomos que o CNJ, em nova resolução, permita a realização de entrevista, de forma pública e gravada, para seu controle.

Não basta a boa técnica para ser juiz. Como advertia Fernando Pessoa, "sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou um doido, com todo direito a sê-lo".

A magistratura exige equilíbrio, bom senso, retidão de caráter, idoneidade moral. E a entrevista pode colaborar decisivamente para a aferição desses requisitos.

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