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Miguel Torres e Paulo Cayres
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
O mau exemplo que vem dos EUA
Antes terra da oportunidade, os EUA enfraqueceram sindicatos, ampliando a desigualdade; 40% dos trabalhadores não têm um único dia de folga remunerada
Um tema importante que fez parte do pano de fundo da eleição presidencial nos Estados Unidos é a crise dos direitos trabalhistas no país, que a Folha cobriu tão bem na sua edição de 14/10, domingo.
A porcentagem de trabalhadores com representação sindical caiu de quase 40% na década de 1950 para cerca de 7% atualmente. Em paralelo com a queda da taxa de sindicalização, pioraram praticamente todos os indicadores de justiça social: salários reais, distribuição de renda, qualidade da escola pública etc.
Cerca de 40% dos trabalhadores americanos não têm um único dia de folga remunerada, seja por doença, férias ou a título de licença maternidade.
Como a Folha noticiou em 22 de setembro no texto "Desigualdade derruba chance de ascensão social nos EUA", o país já foi considerado a terra das oportunidades, mas a crescente desigualdade social tem alterado o quadro de expectativas. É cada vez mais difícil para o cidadão comum participar da realização do sonho americano -esta situação decepcionante é resultado direto da crise dos direitos trabalhistas.
Justamente quando o Brasil melhora os padrões para todos e retira 30 milhões de pessoas da pobreza, os EUA caminham na direção oposta. A legislação trabalhista brasileira tem contribuído para a melhoria de vida de milhões de famílias, e nossa economia também se beneficia.
O que nos preocupa é se a crise dos direitos trabalhistas nos Estados Unidos vier a contaminar o Brasil. Ouvimos o empresariado multinacional reclamar do alto custo de fazer negócios no Brasil, do tal "custo Brasil", que inclui os direitos trabalhistas. À medida que o Brasil se torna mais integrado à economia global, o empresariado multinacional pressionará para que o país fique mais parecido com os Estados Unidos no que concerne à sonegação de direitos trabalhistas.
Um exemplo da crise dos direitos trabalhistas nos Estados Unidos é o Walmart, maior empregador do
país, com mais de 1 milhão de funcionários. Mas nem um único destes trabalhadores é representado por um sindicato.
A Nissan é outro exemplo, como a Folha noticiou. Os trabalhadores da Nissan nos Estados Unidos não têm representação sindical ou negociação coletiva. A Nissan disse à reportagem da Folha que paga salários competitivos, mas os funcionários da Nissan disseram que estavam sem reajuste desde 2008 e que muitos deles são trabalhadores temporários sem qualquer garantia ou estabilidade no emprego.
A crise dos direitos trabalhistas nos Estados Unidos tem sido impulsionada por empresas multinacionais que se valem da legislação trabalhista fraca para combater a sindicalização. A situação é particularmente alarmante na indústria automotiva. A indústria automotiva americana já foi 100% sindicalizada; hoje, a taxa é de 50%.
E empresas multinacionais como a Nissan são responsáveis por este declínio. À Folha, a empresa diz não enxergar a necessidade de um sindicato. Nossa crença é que a decisão de ter ou não ter um sindicato deveria ser dos trabalhadores.
A Nissan, aliás, tem planos incríveis de crescimento no Brasil, está construindo uma unidade fabril nova em Resende, Estado do Rio de Janeiro. A nosso ver, para ter ainda mais êxito aqui, ela precisa ser vista pela sociedade brasileira como uma empresa que respeita os direitos dos trabalhadores em todos os países do mundo.