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MARCOS NOBRE
Liberalismo
à brasileira
O LIBERALISMO nunca se
sentiu em casa no Brasil. A
dependência do Estado
sempre foi tão escancarada que fazer o elogio do "espírito animal do
empresário" parecia piada pronta.
Isso mudou nos últimos vinte
anos. Em parte por necessidade.
Porque, afinal, o Estado quebrou e
não podia mais financiar como antes o liberalismo à brasileira.
Mas houve também um outro lado da história. Defensores da modernidade liberal chegaram à conclusão de que o problema do ranço
anticapitalista brasileiro era cultural. E se lançaram à batalha de convencer corações e mentes de que
capitalismo é bom, de que lucro
não é pecado, de que o talento deve
ser reconhecido pela sua remuneração.
Há hoje no Brasil toda uma geração de empresários, executivos,
acadêmicos e administradores que
foi formada e que age segundo esses preceitos. Mas liberais discretos não fazem um grau de investimento. Os sóbrios defensores da
revolução cultural capitalista necessitam de exemplos exuberantes
e desinibidos.
Os novos ricos que não cansam
de alardear a excelência da própria
cobiça são o outro lado da longa
busca de um liberalismo brasileiro.
O discreto gestor de fundos não
existe sem o bilionário extravagante.
Esse novo bloco conservador
não parece ter até o momento outro horizonte que não o da democracia. Isso é certamente um avanço se se pensar no número e na duração das ditaduras e dos pactos
oligárquicos na história brasileira
recente. E é também um avanço
que parte importante da economia
brasileira tenha se desprendido de
uma dependência estatal crônica.
Nem por isso o Estado deixou de
ser o mais decisivo sustentáculo da
nova etapa do capitalismo. E muito
pouca gente realmente acha que a
escandalosa desigualdade brasileira vai ser resolvida simplesmente
com desenvolvimento econômico.
Mas ideologia tem lá suas manhas teológicas. Quando funciona,
faz as pessoas realmente acreditarem no que dizem e fazem.
Foi o caso do empresário Eike
Batista ao polemizar com a recente
decisão do governo de proceder à
licitação pública de concessões para construção e operação de portos
privativos. Interessado em construir três terminais de uso privativo misto, disse o seguinte: "Se sou
dono da terra e do projeto não sou
obrigado a vender nada. Uma licitação para hidrelétrica tem como
base o curso de um rio que pertence à União, mas, na minha casa, faço o que eu quiser. Será que voltamos à era da estatização?".
A pergunta só pode ser respondida com outra: será que estamos em
plena era do liberalismo da casa da
mãe Joana?
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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