São Paulo, domingo, 02 de maio de 2004 |
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A morte anunciada do petróleo
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Um acontecimento ainda mais grave foi o estabelecimento pela Opep de cotas para exportação. Como essas cotas eram proporcionais às reservas, subitamente, em 1988, cinco dos países-membros tiveram suas reservas aumentadas em um ano por um fator que multiplicou por duas a três vezes as dimensões das reservas anteriores. Os demais membros também mudaram suas reservas, pouco antes ou depois, em fatores comparáveis. Esse insólito acontecimento foi a principal causa do mito de que, "quanto mais se consumia, mais cresciam as reservas de petróleo". Mito tão poderoso que até hoje, quando novas descobertas não repõem sequer 30% do consumo anual, altas autoridades brasileiras no setor ainda o repetem, como papagaios. A farsa se ampliou em meados da década de 90, quando uma série de artigos de funcionários de empresas de petróleo e também de alguns acadêmicos reagiu às previsões supostamente pessimistas de logo depois da crise do petróleo, em 73. Grande influência tiveram as avaliações de P. R. Odell, que, entre 1994 e 1999, concluíam enfaticamente que não estava o planeta "ficando sem, mas se afundando em petróleo", ignorando completamente a natureza da "guerra das quotas" da Opep. Outro fator de cizânia foi o uso simplório por muitos analistas da grandeza R/p, mesmo quando levaram em consideração o crescimento da demanda e outros fatores. Esqueciam a natureza física da extração, fosse para um poço solitário, fosse para um campo, fosse para uma província petrolífera -ela segue inexoravelmente uma curva que cresce inicialmente com o tempo, atinge um pico e decresce lentamente, até o esgotamento. Já em 1995, considerando o aproveitamento de reservas prováveis e a descoberta de novos campos, Campbell e Laherree publicaram avaliações que vêm sistematicamente sendo confirmadas e, atualmente, nenhum analista pensante discorda do essencial desses resultados. O que apresento em seguida é praticamente o consenso de especialistas independentes. Em resumo, a produção de hidrocarbonetos fósseis em geral, inclusive o petróleo de águas profundas, os petróleos não-convencionais, os pesados, o polar e o gás natural, convencional e não-convencional, deve ter seu pico em 2010 -produção essa que estará reduzida à metade em 2050, quando será insuficiente para suprir 20% da demanda de combustíveis líquidos, na melhor das hipóteses. O petróleo convencional já atingiu um platô de produção máxima com 27 bilhões de barris por ano, que se estenderá até 2010, devendo cair então rapidamente, chegando em 2050 a apenas 8 bilhões. O gás natural alcançará o pico de produção dentro de 15 anos. Essas previsões pressupõem um crescimento médio da economia mundial de 2,5% ao ano e a contribuição de reservas a serem descobertas. O caso do Brasil não é menos preocupante. De fato, como está previsto, é possível que alcancemos em dois ou três anos a auto-suficiência. Mas essa felicidade vai durar pouco. Com o atual ritmo de investimento e na hipótese de um crescimento econômico de 3% ao ano, um ano após ser atingida essa auto-suficiência, ela será perdida rapidamente e, em menos de 10 anos, estaremos com uma deficiência de mais de 50%. Aumentar o ritmo de investimento apenas deslocaria o pico por algum tempo, mas tornaria mais abrupto o esgotamento. Todavia, devido à biomassa energética, principalmente o álcool combustível, o Brasil terá melhores perspectivas a médio prazo do que o resto do mundo, que terá de recorrer ao carvão para produzir combustíveis líquidos, a custos provavelmente bastante mais elevados. Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 72, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha. Texto Anterior: TENDÊNCIAS / DEBATES Donna Hrinak: Alca, oportunidade a ser aproveitada Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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