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TENDÊNCIAS/DEBATES
Chutando a escada
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Quando vemos os países ricos negociarem duramente com os países em desenvolvimento seus interesses
comerciais, por que devemos acreditar
que em outras circunstâncias, quando
se propõem a aconselhá-los sobre como
alcançar o desenvolvimento, não estejam na verdade defendendo só seus
próprios interesses? Por que é razoável
para os países pobres supor que as
agências que os países ricos criaram para dar esses conselhos atendam aos seus
interesses nacionais, e não aos interesses dos países que de fato as controlam?
Alguém poderá dizer que essas perguntas são impertinentes. Como, porém, é possível compreender que, enquanto o Brasil não aceitava esses conselhos, de 1930 até 1980, desenvolveu-se
de forma extraordinária e parou de
crescer desde que passou a aceitá-los?
Ou como explicar que um grupo de países asiáticos tem experimentado um extraordinário desenvolvimento na medida em que adota reformas capitalistas,
mas não as reformas que os países ricos
aconselham, por meio do FMI e do Banco Mundial?
Alguém poderá sugerir que esses fatos
são mera coincidência. Ou que as perguntas não correspondem a fatos. Elas,
porém, encontraram resposta extraordinária em livro do professor de economia da Universidade de Cambridge Ha-Joon Chang que acaba de ser publicado
no Brasil. Seu título é curioso, "Chutando a Escada" (ed. Unesp), uma expressão que Chang encontrou em Friedrich
List. Esse economista, que teve poderosa influência sobre Roberto Simonsen,
argumentou, em 1841, contra a adoção
de políticas liberalizantes recomendadas pela Inglaterra e a favor de uma política ativa de desenvolvimento, com teses fundamentais para que aquele país,
pouco depois, entrasse num acelerado
processo de crescimento.
O grande economista alemão afirmou
e demonstrou com exemplos históricos
que os países que primeiro logravam se
desenvolver "chutavam a escada" ou
"puxavam o tapete", para impedir que
os demais países os seguissem e lhes fizessem concorrência. A Inglaterra, em
relação a suas colônias (ou às semicolônias, como foi o caso do Brasil em 1810),
teve nesse sentido uma política muito
clara, que, no limite, visava impedir que
o outro país se industrializasse.
Em seu breve mas denso livro, Chang
mostra, com um grande número de evidências, que os países ricos, ao proporem um determinado conjunto de políticas e de reformas, estão agindo exatamente da mesma maneira. Naturalmente as práticas são mais sofisticadas e
estão amparadas na ortodoxia convencional dominante, mas a lógica é a mesma: trata-se de chutar a escada, criando
dificuldades para que os novos países
industriais, que surgiram nos anos 70,
possam competir com os países industrializados na exportação de produtos
com alto valor agregado.
Chang distingue as políticas econômicas das instituições. Ele mostra que todos os países, inclusive a Inglaterra e os
EUA, usaram de políticas de proteção
comercial e de políticas industriais e tecnológicas ativas. As duas únicas possíveis exceções foram a Suíça e a Holanda.
E, na grande maioria dos casos, o Estado investiu na infra-estrutura e em setores capital-intensivos. Dessa forma,
quando os atuais países desenvolvidos
se desenvolveram, usaram de políticas
econômicas que agora condenam.
As políticas recomendadas por Washington e Nova York são principalmente uma forma de puxar o tapete
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Quanto às instituições, como a garantia da propriedade e dos contratos, o autor mostra, primeiro, que, na época em
que os países desenvolvidos se industrializaram, suas respectivas instituições eram muito menos desenvolvidas
do que as atuais instituições dos países
em desenvolvimento; segundo, que, na
verdade, a maioria das instituições que
hoje são recomendadas aos países em
desenvolvimento foram o resultado, e
não a causa, desse desenvolvimento.
O livro do professor de Cambridge,
entretanto, não critica a política recomendada pelos ricos de crescer com
poupança externa através da abertura
da conta capital. Embora os países ricos
tenham crescido com sua própria poupança, seguindo o lema simples de que
"o capital se faz em casa", não hesitam
hoje em aconselhar os países em desenvolvimento a se endividarem financeiramente e a disputarem investimentos
diretos (endividando-se patrimonialmente), como se estas fossem as duas
únicas maneiras de financiar o desenvolvimento. Em conseqüência, os países que adotaram tal política nos anos
90 perderam o necessário controle sobre sua taxa de câmbio e transformaram em consumo a poupança externa
recebida.
É preciso reconhecer que os países ricos, particularmente os EUA, por um
período de 30 anos, após a Segunda
Guerra Mundial, baixaram sua guarda e
se preocuparam em promover o desenvolvimento das demais nações. Estavam otimistas e se mostraram generosos. A partir dos anos 70, porém, quando surgiram os novos países industriais,
essa atitude foi abandonada. Hoje é impossível compreender a onda neoliberal, globalista e "dependentista" que então se iniciou sem levar em conta essa
mudança.
Geralmente essa onda ideológica conservadora é explicada como uma luta
do mercado contra o Estado (o que facilita a alienação das elites empresariais
locais), mas esse é apenas um lado da
questão. As políticas recomendadas por
Washington e Nova York são principalmente uma forma de chutar a escada ou
de puxar o tapete. São uma reação, geralmente inconsciente, mas nem por isso menos perigosa, das elites econômicas e políticas dos países ricos para fazer
frente à competição dos novos países
industriais.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, é professor de
economia da FGV-SP. Foi ministro da Ciência e
Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro
da Fazenda (governo Sarney). É autor de, entre
outras obras, "Desenvolvimento e Crise no Brasil" (Editora 34).
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