São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os ecos sociais da biotecnologia
ELOI S. GARCIA
A pesquisa com células-tronco, incluindo o tratamento de algumas de nossas doenças degenerativas e possibilidades de desenvolver células sanguíneas, pele, cartilagem, osso, ou mesmo órgãos como o pâncreas e o fígado, é um outro exemplo. Resultados dessas pesquisas estão sendo publicados nas melhores revistas científicas do mundo. Os cientistas podem explicar que não se deve nem limitar as variedades genéticas das células-tronco, para não dificultar o desenvolvimento do conhecimento e a compatibilidade genética com os indivíduos. A questão básica e complicada que precisa ser respondida é: quando a vida humana começa? Quando um punhado de células, sem o menor vestígio de sistema nervoso, merece a proteção legal da sociedade? Esses questionamentos ressoam como um ponto central de nossos valores éticos e morais e são pontos religiosos importantes. A área da clonagem humana é interessante. Mas há preocupações. A clonagem de um organismo pressiona e desvirtua, ou, pelo menos, deixa de lado a reprodução natural. Logicamente, a clonagem reprodutiva estará modificando, e não assegurando, a distribuição randômica de nossa variabilidade genética. Se a ciência for em direção à clonagem humana -e parece que está indo-, isso poderia lesionar severamente o futuro do clone, por deixar de lado nossa diversidade genética, que evolui há milhares de anos, e por provocar o vínculo à cópia de algum genoma, e não aos processos naturais resultados da evolução. O genoma de cada indivíduo é único no planeta. Na essência, pela clonagem estará sendo criada uma cópia genômica, não da pessoa que doa o núcleo celular. Alguns acham que a clonagem poderia auxiliar os casais inférteis a terem crianças geneticamente semelhantes. Isso é uma verdade inútil. Quantas crianças são abandonadas por ano e não são adotadas? Quantas crianças estão sob a guarda do Estado? Enquanto esse problema social não diminuir, a clonagem humana continuará sendo uma causa frívola e egoísta para a sociedade. A clonagem terapêutica não é negativa. Na verdade, é uma conquista que pode provocar um enorme impacto em vários setores da biotecnologia e da economia, abrindo portas e janelas de oportunidades para tratamento de doenças tidas hoje como mortais ou incuráveis e para processos tecnológicos jamais imaginados. A fim de explorar essas tecnologias, a sociedade deverá estar bem esclarecida e tecer linhas morais e éticas bem estabelecidas. Homens e mulheres podem criar seus limites e, mais do que isso, fazê-los cumprir e respeitar. Prevenir possíveis abusos tecnológicos deve ser prioridade da sociedade. O governo proibir não resolve o problema; pelo contrário, pode até piorá-lo. O senso de segurança não existe para ser enganado. Decisões rápidas e sensatas serão responsáveis pelo progresso da biotecnologia em nosso país. Eloi de Souza Garcia, 58, doutor pela Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), membro da Academia Brasileira de Ciências, é pesquisador dos departamentos de Bioquímica e Biologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz. Foi diretor do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e presidente da Fundação Oswaldo Cruz (1997-2000). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Rogério Rosenfeld: O mistério da massa Índice |
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