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SÉRGIO DÁVILA
Sim, eles podem
MICHELLE, MULHER
de um dos políticos negros mais importantes de
Washington hoje, está grávida de
seu terceiro filho. O bebê deve nascer ainda neste ano e completar
seu primeiro aniversário numa residência oficial. Ela acompanha de
perto a corrida presidencial norte-americana, sem muitas preocupações. Seu marido já está eleito.
Michelle, uma advogada de 37
anos, é casada com Adrian Fenty,
de mesma idade, o jovem prefeito
de Washington. Com Cory Booker,
39, prefeito de Newark, Deval Patrick, 51, governador de Massachusetts, e o ex-deputado Harold Ford
Jr., 38, do Tennessee, todos negros
e democratas, ele forma a novíssima geração de políticos nascidos
na mesma época ou logo após o Ato
dos Direitos Civis, de 1964, lei federal que tornou a segregação ilegal
nos Estados Unidos.
Estudaram nas melhores universidades norte-americanas, a maioria se formou em direito, são quase
todos do sexo masculino e chegaram aos cargos a que chegaram ao
ampliar a base de eleitores para
além do voto negro. Barack Obama,
46, é o representante mais conhecido, mas está longe de ser o único.
O consenso é que, se Barack Obama não fosse Barack Obama, o
"posto" seria ocupado por um outro da mesma turma -eles são
amigos. Todos estavam maduros.
O candidato democrata à sucessão
de George W. Bush na Casa Branca
só soube captar, melhor e antes, o
"zeitgeist", o espírito do ambiente
político norte-americano atual. E
foi mais bem-sucedido.
Há preconceito, sim, mas é "preconceito em resposta", reação ao
preconceito branco. Um dos motivos pelo qual o leitor não terá ouvido falar dos outros nomes é que
eles evitam se apresentar ao público como tal, um bloco de políticos
negros em ascensão. Não querem
afugentar o eleitorado branco, sem
o qual sabem que não teriam saído
do gueto que restringiu seus pais.
Vem daí uma das críticas comuns feitas a Barack Obama: a de
que ele não é negro o suficiente. O
candidato tem surfado na onda da
maioria, segundo as pesquisas de
intenção de voto, ao não se enquadrar em nenhuma definição. Não é
progressista, não é conservador,
não é elitista, não é popular. Não é
branco, não é negro. Daí também a
vagueza de suas propostas e slogans, que servem a todos de acordo
como gosto de quem as ouve.
"Sim, nós podemos." "Não neste
ano, não desta vez." "Mudança na
qual nós podemos acreditar." "Nós
somos aqueles pelos quais nós esperamos", o meu preferido, que poderia ter saído da boca de Neo, o
personagem de Keanu Reeves na
distopia cinematográfica "Matrix".
Ele não se enquadra em nenhuma definição, para se enquadrar na
que mais importa: presidente.
sdavila@folhasp.com.br
SÉRGIO DÁVILA 0é correspondente da Folha em
Washington.
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