São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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SÉRGIO DÁVILA

Sim, eles podem

MICHELLE, MULHER de um dos políticos negros mais importantes de Washington hoje, está grávida de seu terceiro filho. O bebê deve nascer ainda neste ano e completar seu primeiro aniversário numa residência oficial. Ela acompanha de perto a corrida presidencial norte-americana, sem muitas preocupações. Seu marido já está eleito. Michelle, uma advogada de 37 anos, é casada com Adrian Fenty, de mesma idade, o jovem prefeito de Washington. Com Cory Booker, 39, prefeito de Newark, Deval Patrick, 51, governador de Massachusetts, e o ex-deputado Harold Ford Jr., 38, do Tennessee, todos negros e democratas, ele forma a novíssima geração de políticos nascidos na mesma época ou logo após o Ato dos Direitos Civis, de 1964, lei federal que tornou a segregação ilegal nos Estados Unidos.
Estudaram nas melhores universidades norte-americanas, a maioria se formou em direito, são quase todos do sexo masculino e chegaram aos cargos a que chegaram ao ampliar a base de eleitores para além do voto negro. Barack Obama, 46, é o representante mais conhecido, mas está longe de ser o único.
O consenso é que, se Barack Obama não fosse Barack Obama, o "posto" seria ocupado por um outro da mesma turma -eles são amigos. Todos estavam maduros. O candidato democrata à sucessão de George W. Bush na Casa Branca só soube captar, melhor e antes, o "zeitgeist", o espírito do ambiente político norte-americano atual. E foi mais bem-sucedido.
Há preconceito, sim, mas é "preconceito em resposta", reação ao preconceito branco. Um dos motivos pelo qual o leitor não terá ouvido falar dos outros nomes é que eles evitam se apresentar ao público como tal, um bloco de políticos negros em ascensão. Não querem afugentar o eleitorado branco, sem o qual sabem que não teriam saído do gueto que restringiu seus pais.
Vem daí uma das críticas comuns feitas a Barack Obama: a de que ele não é negro o suficiente. O candidato tem surfado na onda da maioria, segundo as pesquisas de intenção de voto, ao não se enquadrar em nenhuma definição. Não é progressista, não é conservador, não é elitista, não é popular. Não é branco, não é negro. Daí também a vagueza de suas propostas e slogans, que servem a todos de acordo como gosto de quem as ouve.
"Sim, nós podemos." "Não neste ano, não desta vez." "Mudança na qual nós podemos acreditar." "Nós somos aqueles pelos quais nós esperamos", o meu preferido, que poderia ter saído da boca de Neo, o personagem de Keanu Reeves na distopia cinematográfica "Matrix".
Ele não se enquadra em nenhuma definição, para se enquadrar na que mais importa: presidente.

sdavila@folhasp.com.br


SÉRGIO DÁVILA 0é correspondente da Folha em Washington.


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