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HERANÇA DEMAGÓGICA
Seria produtivo -e realista- se o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva começasse a se conscientizar de que não se encontra
mais sobre um palanque de onde pode exercitar sua conhecida verve contra as elites econômicas e o poder público, responsabilizando-os pelas
agruras das populações de baixa renda e do país. Aquele Lula dos tempos
de oposição, sempre inclinado a proferir "bravatas" contra governantes e
"tudo isso que aí está", ocupa hoje o
posto de primeiro mandatário da República. O partido que fundou, o PT,
já assumiu há anos cargos governamentais em Estados e cidades tão
importantes quanto o Rio Grande do
Sul e São Paulo.
Não faz, portanto, sentido que, ao
visitar tardiamente as vítimas das
chuvas no Nordeste, o presidente
simplesmente culpe o "descaso do
poder público" pela dramática situação encontrada. O poder público, alguém precisa dizê-lo, é hoje por ele
encarnado. Desde 2001, em outra localidade anualmente castigada pelas
enchentes -a capital paulista-, o
Executivo está sob o comando de
uma representante do PT. Mesmo
que possam ter algum fundo de verdade, diagnósticos desse tipo, que
insistem na nota da "herança maldita", poderiam, para benefício de todos, ser substituídos por medidas
práticas. Quanto a isso, o governo
não tem muito do que se vangloriar.
Segundo levantamento publicado
pela Folha, o Ministério da Integração Nacional gastou no ano passado
apenas 9,2% de seu orçamento. A
outra pasta, a das Cidades, que estaria voltada para a prevenção de problemas ocasionados pelas chuvas,
utilizou em 2003 pouco menos de
20% do orçado. São cifras inexpressivas. Prevaleceu até aqui, na área social, um misto de improvisação e voluntarismo com resultados pífios.
O presidente tem se valido de sua
reconhecida capacidade retórica para estabelecer um contato mais direto com a população. Num contexto
em que alternativas políticas convincentes não se apresentam -Lula era
uma espécie de "última esperança"-, é natural que a sociedade se
mostre mais paciente na expectativa
de que a aposta na mudança venha a
dar frutos. Não há, porém, como
deixar de observar o crescente contraste entre o mundo encantado que
se desenrola nos discursos presidenciais e o desencanto que vai se apoderando de muitos ao constatar que a
realidade continua a mesma.
O risco dessa situação é a tendência
de o governo partir para a demagogia, buscando uma aliança sentimental com a população carente, na
qual ambos se irmanam como vítimas da história -e não como agentes, que deveriam ser, da mudança.
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