|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
1% para mudar o Brasil
LARS GRAEL
Quando se fala em política pública
de esportes no Brasil, todos são
unânimes em afirmar o quanto o esporte pode contribuir para mudar a sociedade, o quanto a prática desportiva e o
lazer, com seu prazer, sua atividade física e mental e sua ludicidade, podem
contribuir para diminuir os índices de
violência e servir de meio profilático ao
sistema de saúde. No entanto, quando
saímos do discurso para a prática, como
sempre, a realidade muda. E infelizmente muda para muito pior.
O esporte, que, conforme dados da
OMS e da Unesco, economiza US$ 3,20
em saúde por cada US$ 1 investido em
sua prática, não tem no nosso país o espaço e a atenção que mereceria. Poucos
governos, com raras e honrosas exceções, seja no nível municipal, estadual
ou federal, vêem no esporte um componente essencial de suas políticas sociais.
Quando muito, investem em eventos
ou quadras e ginásios genéricos, que
servem para tudo: culto religioso, show
musical, reunião comunitária e até um
ou outro jogo de alguma modalidade
quando a agenda permite. O esporte como fator de mudança social, sua prática
disseminada como possibilidade de inclusão e coesão social são, via de regra,
desprezados.
Para nós, gestores públicos do desporto com consciência política e social, não
basta o papel de organizadores de eventos ou construtores de infra-estrutura. É
preciso mais. É preciso realmente usar o
esporte e toda a sua potencialidade como um instrumento da intervenção do
Estado para o bem da sociedade.
Nos mesmos moldes em que se crê
que a educação e a saúde (também elas
intimamente ligadas à atividade física e
ao desporto) são basilares na formação
do cidadão, é preciso acreditar na prática esportiva socialmente disseminada
como parte fundamental da formação
do indivíduo. Não só para "peneirar" o
atleta de alto rendimento na base ampliada, mas principalmente para resgatar para o universo da cidadania plena
os milhões de excluídos no nosso país.
Para formar, educar e ocupar os corpos
e mentes de nossa ociosa juventude. Para melhorar a qualidade de vida e aumentar a longevidade de nossos idosos
e para inserir a pessoa portadora de necessidades especiais na sociedade.
A fim de realizar isso, propomos uma
mobilização tendo em vista um compromisso nacional com o investimento
de, no mínimo, 1% dos Orçamentos públicos municipais, estaduais e federal no
esporte. Prioritariamente na ação de base, na democratização do acesso ao esporte e ao lazer. A criação de uma Lei de
Responsabilidade Social do Esporte.
Um instrumento jurídico que obrigue o
Estado, em todas as suas esferas, a contemplar o esporte com, no mínimo, 1%
de seu investimento.
É preciso acreditar na prática esportiva socialmente disseminada como parte fundamental da formação do indivíduo
|
O leitor desavisado pode imaginar
que leu errado. Mas o fato é que não há
no Brasil nenhum Estado da Federação
que invista pelo menos 1% de seu Orçamento no desporto. A média estadual é
de 0,2% dos Orçamentos, enquanto o
investimento do governo federal no Ministério do Esporte oscila na base de
0,02%, e não há estatística confiável para o investimento municipal. Neste último caso, temos, entre outros espalhados pelo Brasil, alguns exemplos positivos no Estado de São Paulo, como o
município de Sertãozinho, que investe
6%, e o de São Caetano, que investe
4,2% do seu Orçamento, o que gera resultados que põem as duas cidades entre as de maior IDH do país e da América Latina. Sem falar nos resultados nas
competições de alto rendimento.
Sabemos que o Poder Executivo não
gosta de verbas "carimbadas" e que o
aparelho estatal, impulsionado pela
mobilização da sociedade, já é obrigado,
por lei, a destinar 15% para a saúde e
25% para a educação; mas o que é 1%
perto disso? Se não se puder investir esse mínimo, é o caso até de questionar a
necessidade de um Ministério do Esporte ou das secretarias de Esporte e Lazer. De que adianta haver pastas sem
verba e sem possibilidades mínimas de
intervenção social? Para que criar estruturas que mal se pagam?
O assunto foi apresentado na Conferência Estadual do Esporte realizada em
São Paulo e foi tema de destaque na
Conferência Nacional promovida pelo
Ministério do Esporte, em Brasília.
O Brasil precisa aprender a enxergar o
desporto com outros olhos. O que propomos é um instrumento para que isso
aconteça: a Lei de Responsabilidade Social do Esporte; 1% para mudar o Brasil.
Esse instrumento, junto a outro, de incentivo, para que a iniciativa privada
possa apoiar o desporto de alto rendimento, pode mudar definitivamente o
panorama esportivo do nosso país.
Tenham a certeza de que lutaremos
por isso com a mesma garra, obstinação
e dedicação com que lutamos na nossa
vida esportiva. Nossos cidadãos não podem esperar.
Lars Schmidt Grael, 40, é secretário da Juventude, Esporte e Lazer do Estado de São Paulo e
membro do Conselho Nacional de Esportes. Velejador, ganhou medalhas de bronze nas Olimpíadas de Seul (1988) e Atlanta (1996). Foi secretário Nacional de Esportes (2001-02).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Olívio Dutra: Saneamento básico para todos Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|