São Paulo, domingo, 09 de março de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O Conselho de (in)Segurança? RICARDO SEITENFUS
Jamais na história do Conselho de
Segurança da ONU a opinião pública
pôde acompanhar seu processo decisório, de forma intensa e dramática, como
na atual crise iraquiana. Estrelas da política internacional contracenam com
obscuros diplomatas, sob o olhar aparentemente impassível de Kofi Annan.
A segunda concepção defende genericamente a democratização do CS, na medida em que a própria Carta da ONU reconhece o princípio da igualdade soberana de todos os seus membros (art. 2.1). As atuais pressões, inclusive brasileiras, para pôr um termo ao suposto anacronismo do conselho decorrem de uma percepção idílica das relações internacionais que se torna patente na atual crise iraquiana. Como denotam as iniciativas bélicas da dupla Bush-Blair, caso as potências não possam defender o que consideram seu interesse nacional no âmbito do sistema multilateral, elas o farão à margem dele. O dilema que se apresenta entre a manifestação do poder dos fortes e a adoção de medidas supostamente democráticas, no entanto desprovidas de instrumentos de implementação, pode conduzir o sistema a um impasse. Em outras palavras, no atual estágio da humanidade, o que é mais benéfico: um sistema injusto, pois calcado na realidade do poder internacional, ou um sistema justo, revelador da vontade da maioria, embora inaplicável? A terceira concepção da organização internacional resolve este permanente dilema. Em 1944, o jurista Hans Kelsen sustentou que somente um órgão jurisdicional afastado do poder político dos Estados poderia reorganizar as relações internacionais. Em situação conflituosa é necessário diferenciar três dimensões: o juízo sobre a existência ou não de uma infração à ordem internacional; existindo um delito, o juízo sobre qual sanção será aplicada ao Estado faltoso; o juízo sobre quem aplicará e em que condições será aplicada tal sanção. A primeira e fundamental indagação somente pode ser respondida por uma corte independente composta por juízes, designados segundo sua competência. Do poder político que se expressa no CS não podemos aguardar outra resposta a não ser de natureza política. Este projeto designava a Corte Internacional de Justiça (CIJ) como o órgão adequado para resolver os litígios internacionais. Todavia não somente a pauta da CIJ resume-se a assuntos marginais, como, sobretudo quando provocada para indicar os limites nos quais o conselho deveria atuar, ela declarou que o seu caráter político impedia qualquer controle. O Conselho de Segurança é, ao mesmo tempo, legal e ilegítimo. Tendo por testemunha a opinião pública, a crise iraquiana desnuda os dilemas da atual organização internacional, evidenciando seu caráter precário e primitivo. Ricardo Antonio Silva Seitenfus, 54, doutor em relações internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra, é professor titular do Departamento de Direito e no mestrado em integração latino-americana da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cristovam Buarque: A revolução republicana Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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