|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AS LIÇÕES DO VIOXX
Ensina algumas lições a retirada
do mercado do antiinflamatório Vioxx, da Merck & Co., depois de
comprovada a correlação entre o uso
crônico do medicamento e o maior
risco de ataques cardíacos e derrames. A primeira e mais amarga delas
é que o marketing freqüentemente
triunfa sobre a boa medicina.
Prescrições de novas drogas precisam ser feitas com cautela e parcimônia, pois, por razões óbvias, são
desconhecidos os efeitos de longo
prazo. O que se viu no caso do Vioxx,
contudo, foi exatamente o inverso.
Aprovado para o mercado pela
FDA (vigilância sanitária dos EUA)
em 1999, o medicamento rapidamente se tornou um campeão de
vendas. Sua vantagem sobre antiinflamatórios não-esteróides tradicionais é o reduzido risco de úlceras e
sangramentos digestivos. A Merck
investiu pesadamente em marketing,
chegando até a fazer propaganda direta para o consumidor americano, o
que raramente acontece em caso de
medicamentos que exigem prescrição médica. No ano passado, o Vioxx
atingiu a impressionante marca de
US$ 2,5 bilhões em vendas.
Tudo poderia ser considerado uma
fatalidade se não houvesse, pelo menos desde 2000, indícios de problemas com o Vioxx. Naquele ano, um
trabalho financiado pela própria
Merck mostrava que o risco de pacientes que tomavam o medicamento de sofrer ataques cardíacos e derrames era quatro vezes maior do que
o do grupo controle, que usava naproxeno (Naprosyn, Flanax), um antiinflamatório tradicional. Segundo
os pesquisadores pagos pela Merck,
era provável que o fenômeno se devesse a uma ação protetora do naproxeno sobre o sistema circulatório.
Em 2002, dois estudos demonstraram que o naproxeno não possuía
essa virtude protetora. Em 2003, outro trabalho apontou para o aumento
do risco cardiovascular de usuários
de Vioxx, mas a Merck contestou
seus resultados.
Em agosto deste ano, um estudo da
ONG Kaiser Permanente mostrou
que pacientes que tomavam doses de
Vioxx superiores a 25 mg/dia tinham
risco três vezes maior de sofrer infarto e derrame. De novo, a Merck menosprezou os achados.
Na semana passada, veio o golpe
fatal, quando um estudo de três anos
que tinha por objetivo mostrar que o
Vioxx era capaz de prevenir o surgimento de pólipos intestinais constatou contra um grupo que tomava placebo que a droga elevava a chance de
doenças vasculares, o que levou a
Merck a recolher o produto.
Como é natural, as suspeitas recaem agora sobre outras drogas da
classe do Vioxx, os inibidores da cicloxigenase-2, uma enzima envolvida em processos inflamatórios. Autoridades e periódicos médicos de
várias partes do mundo pedem que
se avalie a segurança de outros medicamentos populares, como celecoxib, comercializado no Brasil com o
nome de Celebra, pela Pfizer.
A ascensão e a queda do Vioxx demonstram que os controles sobre a
segurança de novos medicamentos
são insuficientes, sobretudo quando
se considera que a maior parte dos
estudos são financiados pelos laboratório que os comercializam. O caso
Vioxx reforça a necessidade de que se
crie um amplo banco de dados público em que todos os ensaios clínicos
relativos a drogas sejam registrados e
tenham seus resultados divulgados,
sejam eles favoráveis ou contrários
ao produto. Isso talvez não baste para evitar a repetição de problemas
análogos, mas certamente ajudaria a
detectá-los mais rapidamente.
Texto Anterior: Editoriais: EFEITO PETRÓLEO Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: À espera do momento Kennedy Índice
|