São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nepotismo: no varejo e no atacado

EFRAIM MORAIS


Nomeei pessoas de minha confiança para prover cargos de confiança, nos termos da lei. Se a lei não é boa, vamos discuti-la

O TEMA do nepotismo tem sido recorrente na imprensa brasileira. Questiona-se a legitimidade de nomeações para cargos em comissão no serviço público -cargos de confiança, transitórios, a critério de quem nomeia-, ainda que respaldados na lei.
Tornou-se comum afirmar que há atos que, embora legais, não seriam legítimos. Ora, se assim é, há uma anomalia que precisa ser corrigida. A lei, pressupõe-se, é a fonte da legitimidade dos atos da cidadania. Existe exatamente para estabelecer o que é certo e o que não é. Quando a lei não reflete a realidade, deve ser mudada.
É o que se dá em relação aos cargos no serviço público. A nossa Constituição Federal estabelece que o acesso aos quadros permanentes da administração pública só é possível por meio de concurso. Mas, prevendo a necessidade de prover funções que exigem confiança pessoal do titular do cargo ou mandato, reserva determinado número de funções transitórias a serem providas por meio de nomeações.
A premissa é que o nomeado esteja tecnicamente apto ao exercício da função, que efetivamente a exerça e que não tenha antecedentes criminais. Nada mais.
Como agente público e político, não fiz diferente. Nomeei pessoas de minha confiança para prover cargos de confiança em meu gabinete parlamentar, cujas nomeações inserem-se rigorosamente nos termos da lei.
Se a lei não é boa, vamos discuti-la, modificá-la. O que não faz sentido é expor à depreciação alguém que a observou -e observa- pelo fato de que alguns não a consideram legítima. Se não é legítima, é preciso discutir a questão no atacado -e não descer ao varejo desse ou daquele personagem, colocando-lhe nas costas, individualmente, todo o ônus do desgaste dessa questão.
Precisamos discuti-la no âmbito dos três Poderes e nas três esferas federativas -a federal, a estadual e a municipal. A prática é antiga, abrangente -e não é apenas brasileira.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a figura da primeira-dama, esposa do presidente da República, tem foros institucionais, chefiando a ação social do governo. Idem aqui, no Brasil, onde, no passado, tivemos a figura de dona Darci Vargas, esposa de Getúlio Vargas, à frente da Legião Brasileira de Assistência.
Há múltiplos outros exemplos nos três Poderes. Tudo respaldado pela lei. E nada disso começou agora. Está nas raízes da formação nacional. E é uma cultura que não se restringe ao Brasil.
Na Argentina, por exemplo, a primeira-dama Eva Perón, coadjuvante política de seu marido, o presidente Juan Domingo Perón, tornou-se símbolo nacional. E, para ficar nos exemplos norte-americano e argentino, duas ex-primeiras-damas -Hillary Clinton e Cristina Kirchner- adquiriram tal importância na vida pública de seus países que chegaram a disputar a própria presidência da República, sendo a argentina vitoriosa. Em vez de dar a essa discussão -se isso é legítimo ou não- objetividade e conteúdo, propondo que se mude a lei, o que se tem, ciclicamente, é a individualização do fenômeno.
Pega-se, em regra, um político, devassa-se sua vida, dá-se a suas nomeações uma abordagem transgressora e deixa-se de lado a discussão verdadeira, a político-institucional. Ou bem se discute o tema no atacado ou dá-se margem a que a abordagem cíclica -individualizada- seja interpretada como perseguição política. Não é justo que alguém seja chamado a purgar uma prática coletiva, sobretudo quando tal prática está respaldada pela lei.
Ninguém pode ser exposto a tal desgaste quando age dentro da mais estrita legalidade.
Por isso, sustento: se há boa-fé nessa discussão -e não duvido do propósito construtivo desta Folha-, é preciso ampliá-la e levá-la aos três Poderes, no sentido de colocar na lei as restrições postuladas.


EFRAIM MORAIS , 55, engenheiro, é senador da República (DEM-PB) e primeiro-secretário do Senado Federal.

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