São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Universidade para todos

TARSO GENRO e FERNANDO HADDAD

Como financiar a necessária expansão da educação superior pública?
Duas propostas circularam nas páginas da Folha: 1ª) "Se há falta de verbas para boas escolas públicas, está na hora de os estudantes de renda alta pagarem seus estudos para ajudar a gerar bolsas de estudo para os menos privilegiados" (Antônio Ermírio de Moraes, "A triste realidade do ensino brasileiro", Opinião, pág. A2, 28/3/04); 2ª) "Os incentivos concedidos anualmente pelo governo federal às instituições privadas filantrópicas de ensino superior seriam suficientes para dobrar o número de alunos nas universidades federais" ("Governo deixa de arrecadar R$ 839,7 mi de universidades privadas por ano", Primeira Página, 12/4/04).
Apesar de parecerem ideologicamente opostas, as duas propostas têm muito em comum. Para seus defensores, a expansão da educação superior pública deve se dar às expensas dos alunos. No primeiro caso, trata-se de cobrar mensalidades, nas universidades públicas, dos alunos que possam pagar. No segundo, trata-se de cobrar mensalidades ainda mais altas dos alunos das universidades privadas filantrópicas, para custear a expansão da rede pública. Esta última afirmação é menos óbvia, mas não haveria como cobrar tributos das instituições filantrópicas sem que elas repassassem aos preços das mensalidades o substancial aumento da carga tributária decorrente do fim da imunidade.
O Programa Universidade para Todos, que pretende oferecer bolsas de estudo a alunos carentes, por dar respostas às inquietações subjacentes a essas duas propostas neoliberais, tem sido confundido com a resposta à pergunta formulada na abertura desse artigo.
No que concerne às propostas apresentadas, o MEC, em linhas gerais, concorda com a orientação geral da Constituição, quando esta diz que o ensino será ministrado com base no princípio da "gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais" (art. 206, IV) e que "são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei" (art. 195, par. 7º).
Não se pode, contudo, negar àquelas propostas alguma legitimidade.
A legitimidade da primeira repousa no fato de que o aluno de baixa renda não tem acesso ao ensino superior público. A resposta do MEC, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, é criar em cada universidade pública federal uma cota social para alunos egressos da escola pública, a ser preenchida por "brancos" e "negros e indígenas" na proporção da participação de cada grupo na população total do ente federativo onde se localiza a instituição. O MEC entende que essa solução não fere a igualdade formal dos cidadãos postulantes a uma vaga, além de eliminar a polêmica em torno da autodeclaração.


O ensino superior é tão caro que sua desoneração não garante acesso ao cidadão de baixa renda
A legitimidade da segunda repousa no fato de que as instituições educacionais de assistência social, ao contabilizarem como gratuidade atividades de extensão e atividades exercidas por alunos no processo de sua formação, indissociáveis e inerentes ao próprio conceito de educação superior, não mereceriam a imunidade tributária. De fato, mantido esse critério, é impossível distinguir as instituições sérias daquelas que se aproveitam de contabilidade pouco transparente para gozar do favor constitucional. Contudo a solução não é acabar com a filantropia, mas qualificá-la. Esse é o objetivo de transformar os 20% de gratuidade a que as filantrópicas estão obrigadas exclusivamente em bolsas de estudo integral. Como conceber uma entidade filantrópica de educação superior cuja finalidade precípua não seja incluir o jovem carente na universidade?
De forma complementar, o Universidade para Todos pretende dar ao ensino superior tratamento tributário idêntico ao dado aos gêneros de primeira necessidade. Assim como a desoneração tributária do pão não favorece o padeiro, mas quem tem fome desse bem essencial, o ensino deveria receber tratamento similar. Contudo esse movimento não deve ser feito sem exigências. O ensino superior, ao contrário do pão, é tão caro que sua desoneração não garante acesso ao cidadão de baixa renda. Por isso, a desoneração dever vir acompanhada de um programa de bolsas de estudo, a ser custeado pelas instituições privadas, destinado a quem nada pode pagar, aliado a um compromisso com a qualidade do ensino ministrado.
Como se vê, essas medidas nada têm a ver com a urgente resposta que deve ser dada à pergunta inicial. A posição do MEC, nesse particular, é a criação de um fundo específico para custear a expansão com qualidade da educação pública, mediante a subvinculação de receitas, destinado às universidades federais que, nesse processo, conquistariam, finalmente, sua autonomia. O fundo público -e não o bolso do aluno, como alguns parecem desejar- deveria financiar esse empreendimento. A Lei Orgânica da Educação Superior, a ser formulada em conjunto com a comunidade acadêmica e a sociedade civil, poderá consagrar essa orientação.

Tarso Genro, 56, advogado, é ministro da Educação. Foi ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003). Fernando Haddad, 41, advogado, mestre em economia e doutor em filosofia, é professor de ciência política da USP e secretário-executivo do Ministério da Educação.


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