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TENDÊNCIAS/DEBATES
Universidade para todos
TARSO GENRO e FERNANDO HADDAD
Como financiar a necessária expansão da educação superior pública?
Duas propostas circularam nas páginas da Folha: 1ª) "Se há falta de verbas
para boas escolas públicas, está na hora
de os estudantes de renda alta pagarem
seus estudos para ajudar a gerar bolsas
de estudo para os menos privilegiados"
(Antônio Ermírio de Moraes, "A triste
realidade do ensino brasileiro", Opinião, pág. A2, 28/3/04); 2ª) "Os incentivos concedidos anualmente pelo governo federal às instituições privadas filantrópicas de ensino superior seriam suficientes para dobrar o número de alunos
nas universidades federais" ("Governo
deixa de arrecadar R$ 839,7 mi de universidades privadas por ano", Primeira
Página, 12/4/04).
Apesar de parecerem ideologicamente opostas, as duas propostas têm muito
em comum. Para seus defensores, a expansão da educação superior pública
deve se dar às expensas dos alunos. No
primeiro caso, trata-se de cobrar mensalidades, nas universidades públicas,
dos alunos que possam pagar. No segundo, trata-se de cobrar mensalidades
ainda mais altas dos alunos das universidades privadas filantrópicas, para custear a expansão da rede pública. Esta última afirmação é menos óbvia, mas não
haveria como cobrar tributos das instituições filantrópicas sem que elas repassassem aos preços das mensalidades o
substancial aumento da carga tributária
decorrente do fim da imunidade.
O Programa Universidade para Todos, que pretende oferecer bolsas de estudo a alunos carentes, por dar respostas às inquietações subjacentes a essas
duas propostas neoliberais, tem sido
confundido com a resposta à pergunta
formulada na abertura desse artigo.
No que concerne às propostas apresentadas, o MEC, em linhas gerais, concorda com a orientação geral da Constituição, quando esta diz que o ensino será ministrado com base no princípio da
"gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais" (art. 206, IV) e
que "são isentas de contribuição para a
seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam
às exigências estabelecidas em lei" (art.
195, par. 7º).
Não se pode, contudo, negar àquelas
propostas alguma legitimidade.
A legitimidade da primeira repousa
no fato de que o aluno de baixa renda
não tem acesso ao ensino superior público. A resposta do MEC, em parceria
com a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial, é criar
em cada universidade pública federal
uma cota social para alunos egressos da
escola pública, a ser preenchida por
"brancos" e "negros e indígenas" na
proporção da participação de cada grupo na população total do ente federativo
onde se localiza a instituição. O MEC
entende que essa solução não fere a
igualdade formal dos cidadãos postulantes a uma vaga, além de eliminar a
polêmica em torno da autodeclaração.
O ensino superior é tão caro que sua desoneração não garante acesso
ao cidadão de
baixa renda
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A legitimidade da segunda repousa no
fato de que as instituições educacionais
de assistência social, ao contabilizarem
como gratuidade atividades de extensão
e atividades exercidas por alunos no
processo de sua formação, indissociáveis e inerentes ao próprio conceito de
educação superior, não mereceriam a
imunidade tributária. De fato, mantido
esse critério, é impossível distinguir as
instituições sérias daquelas que se aproveitam de contabilidade pouco transparente para gozar do favor constitucional. Contudo a solução não é acabar
com a filantropia, mas qualificá-la. Esse
é o objetivo de transformar os 20% de
gratuidade a que as filantrópicas estão
obrigadas exclusivamente em bolsas de
estudo integral. Como conceber uma
entidade filantrópica de educação superior cuja finalidade precípua não seja incluir o jovem carente na universidade?
De forma complementar, o Universidade para Todos pretende dar ao ensino
superior tratamento tributário idêntico
ao dado aos gêneros de primeira necessidade. Assim como a desoneração tributária do pão não favorece o padeiro,
mas quem tem fome desse bem essencial, o ensino deveria receber tratamento similar. Contudo esse movimento
não deve ser feito sem exigências. O ensino superior, ao contrário do pão, é tão
caro que sua desoneração não garante
acesso ao cidadão de baixa renda. Por
isso, a desoneração dever vir acompanhada de um programa de bolsas de estudo, a ser custeado pelas instituições
privadas, destinado a quem nada pode
pagar, aliado a um compromisso com a
qualidade do ensino ministrado.
Como se vê, essas medidas nada têm a
ver com a urgente resposta que deve ser
dada à pergunta inicial. A posição do
MEC, nesse particular, é a criação de um
fundo específico para custear a expansão com qualidade da educação pública,
mediante a subvinculação de receitas,
destinado às universidades federais
que, nesse processo, conquistariam, finalmente, sua autonomia. O fundo público -e não o bolso do aluno, como alguns parecem desejar- deveria financiar esse empreendimento. A Lei Orgânica da Educação Superior, a ser formulada em conjunto com a comunidade
acadêmica e a sociedade civil, poderá
consagrar essa orientação.
Tarso Genro, 56, advogado, é ministro da Educação. Foi ministro da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003). Fernando Haddad, 41, advogado, mestre em economia e doutor em filosofia, é professor de ciência política da USP e secretário-executivo do Ministério da Educação.
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