São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES JOSÉ POLICE NETO Cakoff sem fronteiras
O escritor Raul Pompeia disse que "a crítica não ensina a fazer obras de arte; ensina a compreendê-las". Poucas pessoas dedicaram-se com tanta intensidade a essa dimensão da crítica quanto Leon Cakoff, contribuindo para difundir e avaliar o que a vanguarda do cinema produzia no mundo. Derrubando fronteiras entre países e estilos, Cakoff possibilitou que o melhor e mais avançado cinema do mundo estivesse ao alcance da fruição dos brasileiros, especialmente dos paulistanos. Em nenhuma outra arte a distinção entre cultura e indústria cultural é tão difícil de ser feita quanto no cinema. Arte que já nasce em meio à intensa industrialização, aponta Arnold Hauser, produção mais coletiva do que individual, requerendo a contribuição de diversas pessoas, obras cujos custos de produção demandam em algum grau um certo desempenho comercial para serem viáveis, o cinema tende a uma fronteira tênue entre obra de arte e mercadoria da indústria cultural. Cakoff saiu das limitações confortáveis para demarcar com precisão sua visão desta fronteira. Sua preocupação estética e técnica nem sempre foi popular, exigiu desafios, persistências e até intransigências, mas trouxe o efeito a longo prazo -demonstrando capacidade e visão- de colocar a cidade de São Paulo no mapa dos grandes eventos de cinema e formou gerações de cinéfilos bem informados e com aguçado espírito crítico. Ao mesmo tempo, Cakoff tomou a medida, única até então, de criar uma premiação na mostra com votação do público. Não há contradição nessa atitude; há, sim, mais uma vez a integridade de Cakoff apostando no resultado do seu trabalho e da sua visão, na avaliação de que o crítico tem essa dimensão "pedagógica" de formar o público. A distinção, portanto, iria um dia desvanecer com um público dotado de critérios para fazer seu julgamento. No campo político, Cakoff tomou para si dois desafios, demonstrando preocupação com a dimensão pública de seu trabalho. Buscou apoio à Mostra mesmo quando ela, em seus instantes primordiais, não era ainda internacionalmente reconhecida como hoje. Com insistência e persistência demarcou, mais uma vez, a distinção entre cultura para os cidadãos e entretenimento para as massas. Mas a batalha épica de Cakoff, mais atual do que nunca, foi contra a censura da obra de arte. Em pleno regime militar, moveu céus e terra para que a Mostra fosse um dos primeiros espaços no país livre das trevas do regime militar. Por anos a fio, mostrou mais uma vez sua persistência para obter uma decisão favorável da Justiça contra a censura, elencando argumentos e discussões cujo sentido e importância sobrevivem e merecem ser mais pesquisados e discutidos, para trazer o discernimento a tantas discussões que ainda hoje se fazem sobre o assunto. São Paulo ficou mais pobre sem Cakoff projetando sua dedicação sobre a cidade. Mas, tal como toda verdadeira obra de arte, o legado rico que ele nos deixa ainda ilumina a cidade e deve ser preservado, valorizado e ampliado. JOSÉ POLICE NETO é presidente da Câmara Municipal de São Paulo. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Miguel Srougi: Presidente: sonhar e não ceder Próximo Texto: Painel do Leitor Índice | Comunicar Erros |
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