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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A reforma tributária e o vilão da história

JOÃO ALVES FILHO


No Brasil, cobram-se impostos escandinavos em troca de assistência do nível de países africanos

Com a insistência do governo federal em aprovar um modelo restrito de reforma tributária que só atende aos interesses da União e impõe sacrifícios aos Estados, uma cortina de fumaça está sendo espalhada, via mídia, para descaracterizar as reivindicações dos governadores, rotulados como ambiciosos sugadores de tributos, quando na verdade lutam pela melhor adequação do projeto de reforma aos interesses dos brasileiros.
É equivocada a idéia de que os governadores batalham por aumentar a fatia no bolo dos impostos. Nada tão irreal. Na verdade os governadores tentam impedir a continuidade das perdas na arrecadação dos Estados, continuamente impostas pelo governo federal.
Basta uma análise da arrecadação no país nos últimos 15 anos para verificar as distorções e compreender que a campanha contra governadores e prefeitos é não apenas preconceituosa como baseada em argumentos falsos.
Os dados falam por si. Em 1988, dos recursos arrecadados pela União, cerca de 80% eram compartilháveis entre estados e municípios: 21,5% sobre os 80% referidos iam para os Estados, e 22,5% para os municípios. Apenas 20% do que a União arrecadava era isento de partilha. De lá para cá, a União mostrou-se mais ávida na captação de recursos, criando novos tributos e reduzindo o volume da receita que deveria compartilhar. O resultado é que hoje Estados e municípios só compartilham da União 47% do total arrecadado, enquanto 53% -margem que antes era de apenas 20%! -concentraram-se nas mãos do governo federal, isentos de partilha.
E enquanto o governo restringia o acesso de Estados e municípios aos recursos arrecadados, subiam seus instrumentos de arrecadação. Em 1988, a carga tributária correspondia a 24% do PIB. Hoje, chega ao absurdo de 36%, volume que só encontra sucedâneo nos países escandinavos, que oferecem sofisticada assistência estatal aos cidadãos. No Brasil, cobram-se impostos escandinavos em troca de assistência do nível de países africanos.
Tais distorções se ampliaram sobretudo no governo FHC, que criou novos tributos sob a eufemística denominação de "contribuições" que, por não serem considerados tributos compartilháveis, foram excluídos da receita a ratear.
Como golpe de misericórdia contra os municípios, que fecham as portas por conta da queda do FPM, agora o governo diminui o percentual de cobrança do IPI dos automóveis -afetando a receita dos Estados e municípios quando poderia conceder o benefício reduzindo o Cofins, afetando somente a União.
O povo brasileiro precisa saber que, em vez de "vilões", os governadores são as grandes vítimas. A arrecadação da União subiu desmesuradamente, e a dos Estados e municípios despencou. O próprio presidente Lula reconheceu que eles estão quebrados.
A reforma tributária hoje em discussão no Congresso atua apenas em três vertentes:
1º - Manipula a forma de cobrança do ICMS, implantando uma legislação única, que reduz de 44 para cinco as alíquotas do imposto, enquanto retira dos governadores a autonomia de legislar sobre um tributo estadual, a pretexto de acabar com a "guerra fiscal";
2º - Mantém o dispositivo da Desvinculação da Receita da União, que torna 20% das receitas da União inacessíveis ao compartilhamento, incluindo tributos legalmente vinculados, como os destinados à saúde e à educação;
3º - Torna a CPMF, uma contribuição provisória -que começaria a ser extinta no próximo ano, sofrendo redução em sua alíquota de 0,38% para apenas 0,08%- um imposto permanente, com alíquota idêntica à cobrada atualmente.
Ora, nesse projeto, tendo em vista as perdas que os Estados vêm sofrendo, o que os governadores propõem é compartilhar a CPMF que será tornada permanente. Nada mais justo! O ministro da Fazenda alega que a União não pode abrir mão de receita. Argumento sofismático, quando se sabe que, se a CPMF não viesse a se tornar permanente, a receita de 0,38% sobre toda movimentação financeira não existiria a partir do próximo ano. É receita em tese inexistente. Se irá se tornar permanente, justifica-se seu compartilhamento.
Estados e municípios não podem ficar à mercê do governo federal para assegurar o direito do povo de usufruir dos tributos arrecados. O governo não pode querer um superávit primário recorde a qualquer custo para fazer frente ao pagamento dos juros das dívidas interna e externa. Aliás, frise-se, mesmo tendo se registrado no governo Lula o maior superávit primário da história do Brasil, às custas do suor e sangue do povo brasileiro, ainda assim ele foi insuficiente para fazer frente ao pagamento dos extorsivos juros praticados no país. É preciso fugir da visão monetarista daqueles que repetem as fórmulas econômicas do governo FHC, e compreender que o país não pode continuar a praticar as maiores taxas de juros do mundo. O argumento para a manutenção de tais taxas, o de que são necessárias ao combate da inflação, não se justifica quando comparado a países com problemas semelhantes e que, ao contrário, reduzem tais taxas. Vale aqui a afirmação do comentarista econômico Joelmir Beting, segundo a qual ou o Brasil está certo e o resto do mundo errado, ou o bom senso nos indica que os errados são os tecnocratas do Banco Central. Bastaria ao ministro Palloci reduzir em 1% a taxa de juros para economizar os R$ 6 bilhões que Estados e municípios teriam direito a repartir se o governo atendesse à reivindicação de compartilhar a CPMF.

João Alves Filho, 62, é governador de Sergipe pelo PFL


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