São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A polêmica nuclear

ODAIR DIAS GONÇALVES


Os padrões de segurança seguidos no Brasil estão à altura do melhor que hoje se conhece e pratica. O resto é polêmica vazia

NAS ÚLTIMAS semanas, a mídia jornalística foi agitada pela emissão da licença prévia do Ibama, órgão do Ministério do Meio Ambiente, para a construção da usina de Angra 3 pela Eletronuclear (ETN), anunciada pelo governo há já bastante tempo.
Com exceção daqueles movimentos ambientalistas que são contra a energia nuclear por princípio, a aceitação pública em relação ao tema mudou muito nos últimos cinco anos.
O aumento do preço do petróleo, a frustração da expectativa gerada na década passada com as chamadas energias alternativas e a consciência de que é necessário reduzir a emissão de gases de efeito estufa mostraram ao mundo que a energia nuclear é uma forma de energia competitiva em preço e, principalmente, em impacto ambiental, já que só emite vapor d'água. Isso levou ambientalistas históricos, como James Lovelock e Patrick Moore, a reverem suas posições e a se tornarem defensores dessa forma de geração de energia.
Não menos importante foi o fato de o atual governo ter enfrentado a discussão abertamente, esclarecendo a população sobre benefícios e riscos da energia nuclear, assim como sobre medidas para minimizar tais riscos.
A publicação da licença do Ibama gerou polêmica principalmente por conter algumas exigências não usuais, sendo a principal delas a de número 18, segundo a qual a Eletronuclear, antes da entrada em funcionamento da usina em 2015, terá que apresentar e ter aprovado pelo Ibama um projeto para a construção de um depósito de longa duração para o combustível usado.
É preciso que se diga que, pelas leis nº 7.781, de 1989, e nº 10.308, de 2001, a responsável pelo armazenamento, guarda e regulação dos rejeitos é a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, que, assim como o Ibama, exerce suas funções de maneira técnica e imparcial. Assim, o Ibama incorreu num erro técnico ao fazer a exigência à ETN, quando a responsabilidade é da CNEN.
Do ponto de vista técnico, o destino imediato para o combustível usado (que não é lixo nem rejeito, pois preserva 40% do potencial energético) está perfeitamente equacionado com a piscina do reator, na qual o combustível usado tem que ficar estocado por um prazo mínimo de cerca de dez anos para resfriamento e redução de sua radioatividade, o que faz parte do próprio projeto da usina. O prazo máximo é a vida útil da central, uma vez que a piscina é licenciada e acompanhada e fiscalizada pela CNEN.
Isso significa que a construção do depósito de longo prazo precisaria estar concluída só em 2055, possível data de saída de operação de Angra 3.
Os prazos explicitados acima correspondem às necessidades técnicas segundo os parâmetros internacionalmente aceitos. No mundo inteiro, ainda não existe nenhum depósito final de longa duração em pleno funcionamento, apesar de Finlândia, Suécia, EUA e França terem depósitos em construção.
Em todo o mundo desenvolvido é despendido grande esforço de pesquisa e desenvolvimento na busca de formas seguras de tratamento e uso do combustível usado, com dois objetivos: utilizar a energia disponível e, ao mesmo tempo, reduzir o volume dos resíduos formados e o tempo necessário para seu armazenamento.
Tais pesquisas têm sido feitas com toda a minúcia e a seriedade necessárias e requerem muito tempo de testes e desenvolvimento, mas são conduzidas com a tranqüilidade oriunda da evidência de que as piscinas dos reatores são perfeitamente seguras.
A CNEN, entretanto, pretende construir um depósito de longa duração muito antes disso e já trabalha, em cooperação com a Eletronuclear, no sentido de projetar um depósito garantido por pelo menos 500 anos.
O projeto, baseado em uma sugestão inovadora da ETN, tem sido discutido e muito bem aceito em fóruns internacionais. Atualmente, está em fase de cálculos e, no prazo de cinco anos, pretendemos ter uma célula protótipo construída para podermos fazer os testes de segurança e durabilidade. Após isso, estimamos que o prazo de construção seja em torno de outros cinco anos.
Finalizando, vale dizer que as autorizações da CNEN e do Ibama são independentes e que cada organismo age em função de suas atribuições e competências. As relações entre os dois órgãos reguladores são de cooperação, com freqüente troca de informações, e não poderia ser de outra maneira. A população pode estar segura de que os padrões de segurança seguidos no Brasil estão à altura do melhor que hoje se conhece e pratica.
O resto é polêmica vazia.


ODAIR DIAS GONÇALVES , 56, mestre e doutor em física pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é presidente da CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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