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TENDÊNCIAS/DEBATES
Pós-Moderno modernista
ARNALDO CARRILHO
O dr. Lucio Costa não suportava a adjetivação "moderna" acoplada à
arquitetura que seu reduto purista introduziria no Brasil. Tinha razão o mestre. Sua missão, que tomou patriótica e
revolucionariamente, pautava-se na integração de novos princípios à nossa
realidade patrimonial. Assim como os
cinemanovistas da primeira metade dos
anos 60 empreenderam uma repurificação do cinema brasileiro, três décadas
antes a equipe de dr. Lucio recriaria a
arquitetura brasileira.
Produtos de arte mais recente, as imagens de Humberto Mauro foram referências à retomada do discurso cinematográfico pelo cinema novo. As edificações e os procedimentos de nossos arquitetos e mestres-de-obras coloniais
eram pilares e vigas-mestras da nova arquitetura.
Surpreendeu a perplexidade manifestada por Luiz Paulo Conde pela degradação da arquitetura brasileira. Em texto recente de sua lavra, o ex-prefeito carioca preconizou uma "volta aos fundamentos" para salvá-la ("De volta aos
fundamentos", "Tendências/Debates",
pág. A3, 29/8).
Ficou implícito, nas entrelinhas, que o
"revival" teria por base o episódio brasileiro da arquitetura contemporânea.
Em outras palavras, aquele aberto pelos
inícios da construção do Palácio Gustavo Capanema e da nova capital federal
(1937-57). Foram, como sabido, duas
décadas em que arquitetura e urbanismo se desenvolveram de maneira criativamente original, tudo muito bem registrado pelo mundo afora em anais e
compêndios sobre o assunto.
Conde foi magistral na descrição dos
sintomas. E falhou no diagnóstico. Não
desceu às causas do problema, que extrapola o segmento a que se dedica. Por
outro lado, não interdisciplinarizou a
matéria, passando em brancas nuvens
duas ordens de considerações: o Brasil
não sai da crise socioeconômica faz três
décadas; e sua cultura foi desde então
explodida por torpedos pós-modernos.
Nos anos 70, a moda era a de falar em
"tipologias arquiteturais". Deu no que
deu: arranha-céus acortinados com vidros fumês de alto a baixo, como a "imitar os óculos escuros de nossos generais" -observou à época o insuspeito J.
O. de Meira Penna. Na década sucessiva, caiu-se no besteirol e, na de 90, na
melancólica "arquitetura de eventos".
Essa mania de recorrer ao passado recente é, aliás, pós-moderna, de vez que
nada se inventou para tapar as crateras
resultantes dos impactos agressores.
Um Brasil pobre, mas autoritário, ergueu a magnífica sede do Ministério da
Educação e Saúde no Rio de Janeiro; outro, ainda pobre, conquanto formalmente democrático, construiu Brasília.
A mesmice domina os espaços, simbolizando a impotência dos poderes públicos diante das ganâncias imobiliárias
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Não era, contudo, a perseverança das
desigualdades sociais que interromperia os surtos vanguardistas. Foi o empobrecimento mental das elites, e não apenas brasileiras, que o fez, distanciando-as das respectivas culturas e artes.
As "americanalhices" -ótimo neologismo perpetrado por Conde- atrapalham mesmo os pensamentos autóctones, em todas as partes. Seus estragos
entre nós já resultam em anos de atraso,
como se verifica em qualquer cidade do
país com mais de 300 mil habitantes. As
sete elencadas pelo ex-prefeito do Rio,
embora frutos de planejamento urbano
(há várias outras), ostentam com orgulho insano construções fora de escala,
como sinais de "progresso".
A mesmice, senão a feiúra, domina os
espaços, simbolizando a impotência
dos poderes públicos diante das ganâncias imobiliárias. A preferência pelos
veículos a motor, em detrimento dos
pedestres, esgarçou os tecidos urbanos,
o tráfego corroendo bairros inteiros.
Edificações, agenciamentos urbanísticos, formas de objetos de uso corrente,
comunicação visual não foram as únicas prejudicadas. A crise não é de arquitetura, ela é global e sistêmica.
Como os países periféricos sofrem
mais, difícil exportar nossos raros talentos, salvo um ou outro projeto de Oscar
Niemeyer.
Já os americanos, europeus e japoneses famosos, ligados a interesses multinacionais, projetam para o exterior
mais que em seus países. Digno supor
que Conde saiba que também ficamos
para trás em outros campos: cinema, artes plásticas -até a MPB- não se renovaram. Pararam no tempo. O resto é imitação, imputado estultamente ao
"novo".
Arnaldo Carrilho, 65, diplomata, é diretor-presidente da Riofilme.
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