São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O guerreiro da luz
ARNALDO NISKIER
Ele é uma pessoa que vive de sinais, que são mensagens cifradas no alfabeto secreto do mundo. Como me foi relatado pelo amigo Silvestre Gorgulho, vivenciou um episódio que envolveu a religiosa nhá Chica de Baependi, em Minas Gerais: em 1978 foi convidado pela irmã Sônia Maria para batizar uma sobrinha. Lá pôde entender melhor quem foi a abençoada nhá Chica, que construiu, com imenso sacrifício, a igreja da cidade e colaborou no sustento dos pobres, vivendo no período de 1808 a 1885. Ao visitar aquela pequena casa, mesmo descrente de tudo, fez uma promessa: "Se conseguir ser escritor, oferecer-lhe-ei duas rosas vermelhas e uma branca quando fizer 50 anos". Na volta, na estrada, aconteceu o terrível desastre. Vários mortos. Paulo Coelho saiu ileso e, ao procurar algo no bolso, encontrou o retrato de Fernanda de Baependi, a nhá Chica. Em meio a tanta dor, entendeu o significado da palavra milagre: é aquilo que enche o nosso coração de paz. Foi o sinal para voltar aos sonhos, à busca espiritual, à literatura. Em 1998, retornou a Baependi para pagar a promessa feita. Quem é Paulo Coelho? Um cidadão comum? Um especialista em magia? Ou simplesmente um escritor de sucesso? Carioca de Botafogo, 55 anos, adolescência conturbada, um passado às vezes trágico, autor, no começo da carreira, de belíssimas letras musicadas pelo parceiro Raul Seixas, bem casado desde 1979 com a inspirada artista plástica Christina Oiticica, alcançou a glória acadêmica com indiscutíveis méritos literários. Seus livros são compreendidos e amados no mundo inteiro. A aceitação em outros países é a melhor prova da consagração alcançada por esse autor que, ao lado de John Grisham, é o mais vendido neste planeta sedento de cultura. A obra de Paulo Coelho dá forte ênfase à espiritualidade, rejeitando gurus, mestres e o fundamentalismo, buscando exatamente resposta para a angústia universal. Talvez aí resida o segredo do êxito planetário desse homem, que recusa a expressão de literatura mercadológica. É a voz e o anseio de multidões à procura de uma perspectiva mais favorável, que se pode encontrar na leitura. A criação literária tem os seus mistérios. Aceitar as suas diversidades é um exercício democrático. O que o mundo hoje nos pede é mais compreensão, e não intransigência. Assim será possível aceitar a diferença. Se o público leitor vai ao encontro de determinada forma literária, a única atitude defensável é respeitar essa preferência, exercida livremente pelos leitores. E qual a razão do sucesso? Exatamente o fato de a obra do acadêmico Paulo Coelho tocar em alguns dos nossos inquietos demônios. Arnaldo Niskier, 67, educador, é membro da Academia Brasileira de Letras e conselheiro do Instituto Metropolitano de Altos Estudos. Foi presidente da ABL (1998-99) e secretário estadual de Ciência e Tecnologia (1968-71) e de Educação e Cultura (1979-83) do Rio de Janeiro. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Julio María Sanguinetti: Esquerdas e direitas latino-americanas Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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