São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O neo-arrastão

RIO DE JANEIRO - Benedita da Silva era candidata a prefeita e liderava as pesquisas com enorme vantagem sobre os demais concorrentes. Na manhã de um domingo, foi promovido, nas areias do Arpoador e de Ipanema, o primeiro arrastão devidamente documentado por equipes de TV que, desde cedo, estavam montadas em três pontos diferentes, duas no calçadão e uma na própria areia, voltada por acaso para o ponto de partida do arrastão. Uma produção perfeita, um embrião dos futuros shows da realidade.
Não houve vítimas. Alguns desmaios e duas ou três pessoas machucadas pelo tumulto que se seguiu. As imagens foram mostradas ""ad nauseam" aqui e no exterior. Benedita caiu da liderança, seguiram-se arrastões menores, e ela não foi eleita. A elite branca, bem-nascida e bem-intelectualizada do Rio não queria ter uma ex-favelada negra e do PT como prefeita.
Passou o tempo e tivemos uma espécie de arrastão incruento, com mais de 300 disparos de armas sofisticadas contra a sede da Prefeitura do Rio. Pela hora do atentado, a finalidade não era fazer vítimas, mas apenas assustar, mostrar que a situação ficou fora do controle do Estado legal, no caso, o Estado agora governado pela ex-favelada negra do PT.
As suspeitas recaem, obviamente, sobre o crime organizado, que realmente criou um poder paralelo nas ruas do Rio. Acontece que um atentado com a carga simbólica do de anteontem transcende ao crime organizado, ao poder paralelo. É um recado político que, atingindo um emblema do poder legal (a sede de uma prefeitura que nem sequer é dirigida por um petista), procura intimidar o eleitorado miúdo, do cidadão comum.
O eleitorado graúdo, este já está suficientemente atemorizado pelo risco Brasil, pelo dólar em alta e pelas ameaças da ingovernabilidade de um sistema de forças políticas desvinculado do Consenso de Washington.


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